O exemplo mais simples
do uso do método das imagens111To appear in Revista Brasileira de Ensino de Física
The simplest example of the use of the method of images

Antonio S. de Castro

Departamento de Física e Química,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Guaratinguetá, SP, Brasil
E-mail: castro@pq.cnpq.br
Resumo

Mostra-se que o sistema constituído por dois planos infinitos e paralelos, sendo um plano condutor, e o outro um plano isolante com carga distribuída uniformemente, é o exemplo mais simples do uso do método das imagens, em constraste com o que é difundido na literatura.

Palavras-chave: método das imagens, equação de Poisson, carga induzida.




It is shown that the system consisting of two infinite and parallel planes, one of them a conductor, and the other an insulator with a uniform distribution of charges, is the simplest example of the use of the method of images, in contrast to what is diffused in the literature.

Keywords: method of images, Poisson equation, induced charge.

1 Introdução

Em eletrostática, o potencial elétrico gerado por uma prescrita distribuição de cargas na presença de condutores não é um problema que possa ser resolvido por meio da integral

V(r)=14πε0dq|rr|𝑉𝑟14𝜋subscript𝜀0𝑑superscript𝑞𝑟superscript𝑟V(\overrightarrow{r})=\frac{1}{4\pi\varepsilon_{0}}\int\frac{dq^{\prime}}{|\overrightarrow{r}-\overrightarrow{r}^{\prime}|} (1)

Isto se dá porque dq𝑑superscript𝑞dq^{\prime} não é somente devida à dada distribuição de cargas, mas também à distribuição de cargas induzida nas superfícies dos condutores, sendo esta desconhecida a priori. Contudo, o problema pode ser resolvido por meio da equação de Poisson

2V(r)=ρ(r)ε0superscript2𝑉𝑟𝜌𝑟subscript𝜀0\nabla^{2}V(\overrightarrow{r})=-\frac{\rho(\overrightarrow{r})}{\varepsilon_{0}} (2)

acrescida de condições de contorno. O potencial é uma função contínua, exceto nos pontos em que ρ𝜌\rho exibe singularidades expressas em termos de funções delta de Dirac como é o caso, por exemplo, de uma carga pontual q𝑞q localizada em r0subscript𝑟0\overrightarrow{r_{0}}:

ρ(r)=qδ(rr0)𝜌𝑟𝑞𝛿𝑟subscript𝑟0\rho(\overrightarrow{r})=q\delta(\overrightarrow{r}-\overrightarrow{r_{0}}) (3)

As condições de contorno apropriadas são os potenciais ou as cargas especificados em cada condutor. Assim sendo, o potencial é unicamente determinado em todos os pontos do espaço. Então, qualquer solução da equação de Poisson que satisfaça as condições de contorno é solução do problema, não importando o método utilizado, sendo cabível até mesmo o recurso à intuição e à analogia.

O método das imagens é uma técnica poderosa na resolução de problemas eletrostáticos envolvendo uma dada distribuição de cargas na presença de condutores. O método apoia-se na unicidade da solução e consiste na simulação das condições de contorno pela adição de cargas imagens localizadas fora da região de interesse. Contudo, sua efetividade depende da simetria do sistema, depende da geometria da prescrita distribuição de cargas e das superfícies dos condutores, e assim, como ilustrado nos livros-texto, o método é restrito a um punhado de sistemas. Landau e Lifshitz [1] chegam a mencionar que o mais simples uso do método das imagens é a determinação do campo elétrico devido a uma carga pontual nas proximidades de um meio condutor que ocupa o semiespaço. Feynman, Leighton e Sands [2] não deixam por menos, e referem-se ao problema da carga pontual na vizinhança de um plano (folha) condutor infinito aterrado como sendo a mais simples aplicação do metódo das imagens. É instrutivo observar que os sistemas mais simples mencionados nas referências [1] e [2] são aparentemente similares, contudo o condutor da Ref. [1] é aterrado por construção, enquanto o condutor da Ref. [2] pode ter qualquer potencial ou carga prescritos. O problema da carga pontual na vizinhança de um plano condutor infinito aterrado, como primeiro exemplo da aplicação do método das imagens, é ubíquo na vasta literatura sobre a eletrodinâmica clássica, e Griffths [3] o denomina “o problema clássico da carga imagem”.

Neste trabalho, consideramos a aplicação do uso do método para dois planos infinitos e paralelos, sendo um plano condutor, e o outro um plano isolante com carga distribuída uniformemente, conforme está ilustrado na Figura 1. A bem da verdade, o plano condutor é uma placa condutora infinita com superfícies planas (a espessura da placa é irrelevante). Mostramos, então, que os sistemas mais simples mencionados nas referências [1] e [2] são tão somente os mais simples dentre todos aqueles outros patentes nos livros-texto. Em nosso exemplo, tal como no caso da Ref. [2], o condutor pode ter qualquer potencial ou densidade superficial de carga explicitamente antecipados. Começaremos nossas considerações com a especificação do potencial do condutor, e depois cuidaremos do condutor carregado.

2 Condutor com potencial prescrito

Considere o plano condutor com potencial V0subscript𝑉0V_{0} com sua superfície superior (superfície mais próxima ao plano isolante) coincidente com o plano XY𝑋𝑌XY (z=0𝑧0z=0), e o plano isolante carregado uniformemente com densidade superficial de carga σ𝜎\sigma em z=d𝑧𝑑z=d. Com esta geometria, o potencial é independente de x𝑥x e y𝑦y de forma que o problema é realmente unidimensional: V=V(z)𝑉𝑉𝑧V=V\left(z\right). A região de interesse é a região z>0𝑧0z>0 e a condição de contorno é V(0)=V0𝑉0subscript𝑉0V(0)=V_{0}. A função V(z)𝑉𝑧V(z) é contínua apesar da existência da carga superficial em z=d𝑧𝑑z=d. O potencial na região z>0𝑧0z>0 é devido a todas as cargas presentes no sistema. Porém, a distribuição das cargas induzidas na superfície superior do condutor não é conhecida. Podemos simular o problema real na região z>0𝑧0z>0 com um plano isolante carregado uniformemente com densidade superficial de carga σ𝜎\sigma em z=d𝑧𝑑z=d e um plano isolante carregado uniformemente com densidade superficial de carga σ𝜎-\sigma em z=d𝑧𝑑z=-d. Neste caso, encontramos

V(z)={σε0d+V0,zdσε0z+V0,0zd𝑉𝑧cases𝜎subscript𝜀0𝑑subscript𝑉0𝑧𝑑missing-subexpressionmissing-subexpression𝜎subscript𝜀0𝑧subscript𝑉00𝑧𝑑V(z)=\left\{\begin{array}[]{cc}\frac{\sigma}{\varepsilon_{0}}d+V_{0},&z\geq d\\ &\\ \frac{\sigma}{\varepsilon_{0}}z+V_{0},&0\leq z\leq d\end{array}\right. (4)

Note que V(0)=V0𝑉0subscript𝑉0V(0)=V_{0} e que o potencial é contínuo em z=d𝑧𝑑z=d. O potencial dado por (4) foi obtido pela supressão do plano condutor em z=0𝑧0z=0 e a introdução de uma imagem em z=d𝑧𝑑z=-d, mas satisfaz à equação de Poisson na região z>0𝑧0z>0 e à condição de contorno em z=0𝑧0z=0. Então, devido à unicidade da solução do problema, o potencial expresso por (4) é a solução de nosso problema original consistindo de um plano condutor com potencial V0subscript𝑉0V_{0} em z=0𝑧0z=0 separado por uma distância d𝑑d de um plano isolante carregado uniformemente com densidade de carga σ𝜎\sigma. Tendo resolvido este problema, podemos agora calcular todas as grandezas físicas relevantes, tais como o campo elétrico, a carga induzida no condutor, a força por unidade de área entre as duas distribuições de carga, a energia potencial por unidade de área acumulada no sistema, e etecetera. A propósito, o campo elétrico E=(dV/dz)k^𝐸𝑑𝑉𝑑𝑧^𝑘\overrightarrow{E}=\left(-dV/dz\right)\widehat{k} é expresso por

E(z)={0,z>dσε0k^,0<z<d𝐸𝑧cases0𝑧𝑑missing-subexpressionmissing-subexpression𝜎subscript𝜀0^𝑘0𝑧𝑑\overrightarrow{E}(z)=\left\{\begin{array}[]{cc}\overrightarrow{0},&z>d\\ &\\ -\frac{\sigma}{\varepsilon_{0}}\,\widehat{k},&0<z<d\end{array}\right. (5)

Lembrando que o campo elétrico em pontos infinitamente próximos à superfície de um condutor é Ec=(σc/ε0)n^subscript𝐸𝑐subscript𝜎𝑐subscript𝜀0^𝑛\overrightarrow{E}_{c}=\left(\sigma_{c}/\varepsilon_{0}\right)\widehat{n}, onde σcsubscript𝜎𝑐\sigma_{c} é a densidade de carga do condutor e n^^𝑛\widehat{n} é um vetor unitário perpendicular à superfície, podemos concluir que a distribuição de cargas induzidas na superfície superior do condutor é σ𝜎-\sigma.

3 Condutor com densidade superficial de carga prescrita

Em vez da especificação do potencial do condutor, bem que poderíamos ter especificado sua densidade de carga σcsubscript𝜎𝑐\sigma_{c}. Neste caso, podemos aproveitar o resultado da seção anterior e escrever

V(z)={σc+σ2ε0z+σε0d+V~0,zdσcσ2ε0z+V~0,0zd𝑉𝑧casessubscript𝜎𝑐𝜎2subscript𝜀0𝑧𝜎subscript𝜀0𝑑subscript~𝑉0𝑧𝑑missing-subexpressionmissing-subexpressionsubscript𝜎𝑐𝜎2subscript𝜀0𝑧subscript~𝑉00𝑧𝑑V(z)=\left\{\begin{array}[]{cc}-\frac{\sigma_{c}+\sigma}{2\varepsilon_{0}}z+\frac{\sigma}{\varepsilon_{0}}d+\tilde{V}_{0},&z\geq d\\ &\\ -\frac{\sigma_{c}-\sigma}{2\varepsilon_{0}}z+\tilde{V}_{0},&0\leq z\leq d\end{array}\right. (6)

só que desta vez o potencial do condutor (V~0subscript~𝑉0\tilde{V}_{0}) é uma constante desconhecida. A parcela σd/ε0𝜎𝑑subscript𝜀0\sigma d/\varepsilon_{0} presente no potencial na região zd𝑧𝑑z\geq d assegura a continuidade de V(z)𝑉𝑧V(z) em z=d𝑧𝑑z=d. Até o momento a distribuição de cargas nas superfícies do condutor ainda não entrou na história. De (6) concluímos que o campo elétrico na região z>0𝑧0z>0 é expresso por

E(z)={σc+σ2ε0k^,z>dσcσ2ε0k^,0<z<d𝐸𝑧casessubscript𝜎𝑐𝜎2subscript𝜀0^𝑘𝑧𝑑missing-subexpressionmissing-subexpressionsubscript𝜎𝑐𝜎2subscript𝜀0^𝑘0𝑧𝑑\overrightarrow{E}(z)=\left\{\begin{array}[]{cc}\frac{\sigma_{c}+\sigma}{2\varepsilon_{0}}\,\widehat{k},&z>d\\ &\\ \frac{\sigma_{c}-\sigma}{2\varepsilon_{0}}\,\widehat{k},&0<z<d\end{array}\right. (7)

Daí, lembrando mais uma vez a expressão do campo elétrico em pontos infinitamente próximos à superfície de um condutor, concluímos que a distribuição de cargas induzidas na superfície superior do condutor (superfície mais próxima ao plano isolante) é (σcσ)/2subscript𝜎𝑐𝜎2\left(\sigma_{c}-\sigma\right)/2. Podemos então afirmar que uma carga com densidade σ𝜎-\sigma se distribui na superfície superior do condutor. A carga restante, com densidade superfial σc+σsubscript𝜎𝑐𝜎\sigma_{c}+\sigma se distribui igualmente entre as superfícies superior e inferior do condutor. Em suma, há uma carga com densidade (σcσ)/2subscript𝜎𝑐𝜎2\left(\sigma_{c}-\sigma\right)/2 na superfície superior do condutor e  uma carga com densidade (σc+σ)/2subscript𝜎𝑐𝜎2\left(\sigma_{c}+\sigma\right)/2 em sua superfície inferior.

4 Comentários finais

Embora simples em princípio, o método das imagens pode se tornar um tanto complicado para outras geometrias e, neste contexto, destaco o comentário de Feynman, Leighton e Sands na página 6.9 da Ref. [2] (tradução livre):

Nos livros, pode-se encontrar listas longas de soluções para condutores de formas hiperbólicas e outras coisas aparentemente complicadas, e você se pergunta como alguém pode ter resolvido essas formas terríveis. Elas foram resolvidas ao contrário! Alguém resolveu um problema simples com cargas prescritas. Então viu que alguma superfície equipotencial apareceu em uma nova forma, e escreveu um trabalho no qual salientou que o campo fora dessa forma particular pode ser descrito de uma certa maneira.

Esse comentário sarcástico poderia ser imputado à configuração adotada neste trabalho, haja vista que poderíamos ter obtido todas as nossas conclusões usando a expressão para o potencial gerado por um plano isolante infinito com carga distribuída uniformemente, e apelando simplesmente à nulidade do campo elétrico no interior do condutor. É inegável, contudo, que os dois casos abordados neste trabalho revelam-se os mais simples exemplos que podem ilustrar a aplicação do método das imagens com um mínimo de confusão analítica. O potencial na região de interesse é função de uma variável, o campo elétrico é secionalmente uniforme, e a carga induzida no condutor não requer integração.





Agradecimentos

O autor é grato ao CNPq pelo apoio financeiro. Um árbitro atencioso contribuiu para proscrever incorreções constantes na primeira versão deste trabalho.







Referências

  • [1] L.D. Landau and E.M. Lifshitz, Electodynamis of Continuous Media (Pergamon, Oxford, 1960), Course of Theoretical Physics, Vol. 8 pp. 8-9.
  • [2] R.P. Feynman, R.B. Leighton and M. Sands, The Feynman Lectures on Physics (Addison-Wesley, Reading, MA, 1964), Vol. II, pp. 6.9-6.10.
  • [3] D.J. Griffths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River, NJ, 1981) pp. 121-124.
Refer to caption
Figura 1: Plano isolante com carga distribuída uniformemente (σ𝜎\sigma) separado pela distância d𝑑d de uma placa condutora infinita com superfícies planas.