Uma forma bidimensional que maximiza
a resistência aerodinâmica newtoniana

Paulo D. F. Gouveia{\,}^{*}
pgouveia@ipb.pt
   Alexander Plakhovabsent{\,}^{**}
plakhov@mat.ua.pt
   Delfim F. M. Torresabsent{\,}^{**}
delfim@ua.pt
(Escola Sup. Tecn. e Gestão, Instituto Politécnico de Bragança, 5301-854 Bragança
∗∗Departamento de Matemática, Universidade de Aveiro, 3810-193 Aveiro
)

Abstract. In a previous work [18, 19] it is investigated, by means of computational simulations, shapes of nonconvex bodies that maximize resistance to its motion on a rarefied medium, considering that bodies are moving forward and at the same time slowly rotating. Here the previous results are improved: we obtain a two-dimensional geometric shape that confers to the body a resistance very close to the supremum value (R=1.4965<1.5𝑅1496515R=1.4965<1.5).

Resumo

Um corpo bidimensional, apresentando um ligeiro movimento rotacional, desloca-se num meio rarefeito de partículas que colidem com ele de uma forma perfeitamente elástica. Em investigações que os dois primeiros autores realizaram anteriormente [18, 19], procuraram-se formas de corpos que maximizassem a força de travagem do meio ao seu movimento. Dando continuidade a esse estudo, encetam-se agora novas investigações que culminam num resultado que representa um grande avanço qualitativo relativamente aos então alcançados. Esse resultado, que agora se apresenta, consiste numa forma bidimensional que confere ao corpo uma resistência muito próxima do seu limite teórico. Mas o seu interesse não se fica pela maximização da resistência newtoniana; atendendo às suas características, apontam-se ainda outros domínios de aplicação onde se pensa poder vir a revelar-se de grande utilidade. Tendo a forma óptima encontrada resultado de estudos numéricos, é objecto de um estudo adicional de natureza analítica, onde se demonstram algumas propriedades importantes que explicam em grande parte o seu virtuosismo.

Keywords: body of maximal resistance, billiards, Newton-like aerodynamic problem, retroreflector.

Palavras chave: corpos de resistência máxima, bilhares, problema aerodinâmico newtoniano, retrorreflector.

Mathematics Subject Classification 2000: 74F10, 65D15, 70E15, 49K30, 49Q10.

1 Introdução

Uma área de investigação da Matemática contemporânea ocupa-se com a procura de formas de corpos, dentro de classes predefinidas, que permitam minimizar ou maximizar a resistência a que ficam sujeitos quando se desloquem em meios rarefeitos. O primeiro problema desta natureza remonta já à década de 808080 do século XVII, altura em que Isaac Newton estudou, em [14], um problema de resistência mínima para uma classe específica de corpos convexos, que se deslocassem em meios de partículas infinitesimais, de tal modo rarefeitos que fosse possível negligenciar qualquer interacção entre as partículas, e que a interacção destas com o corpo pudesse ser descrita por colisões perfeitamente elásticas. Mais recentemente temos assistido a desenvolvimentos importantes nesta área com a generalização do estudo a novas classes de corpos e a meios com características menos restritivas: problemas de resistência em corpos não simétricos [3, 4, 5, 11, 12], em corpos não convexos de colisões singulares [2, 5, 6, 13] e de colisões múltiplas [15, 16, 17], corpos de superfície desenrolável [13], considerando colisões com atrito [9] e em meios de temperatura positiva [20]. Mas, quase invariavelmente, os resultados que têm vindo a ser publicados têm dado especial atenção a classes de corpos convexos.

A convexidade de um corpo é uma condição suficiente para que a resistência seja função unicamente de colisões singulares — todas as partículas colidem uma só vez com o corpo. Esse atributo permite reduzir consideravelmente a complexidade dos problemas tratados. Mesmo os vários estudos sobre classes de corpos não convexos que têm surgido, especialmente na última década, assentam quase sempre em condições que garantem um único impacto por partícula — [2, 5, 6, 13]. Só muito recentemente, começaram a surgir alguns estudos prevendo múltiplas reflexões, como é o caso dos trabalhos de Plakhov [15, 16, 17].

Na classe de corpos convexos, o problema reduz-se normalmente à minimização da funcional de Newton — uma fórmula analítica para o valor da resistência, proposta por Isaac Newton [14]. Mas no contexto de corpos não convexos não existe qualquer fórmula simples conhecida para o cálculo da resistência. Ainda que seja extremamente complexo, em geral, tratar analiticamente problemas de múltiplas colisões, para alguns problemas de minimização específicos a tarefa não se tem revelado particularmente difícil, existindo inclusive já alguns resultados disponíveis [15, 16]. Se, pelo contrário, considerarmos o problema de maximização, então a solução chega mesmo a ser trivial — para qualquer dimensão, basta que a parte frontal do corpo seja ortogonal à direcção do movimento.

E se o corpo exibir, para além do seu movimento de translação, um ligeiro movimento rotacional? Quando pensamos neste tipo de problemas temos, por exemplo, em mente satélites artificiais, de órbitas relativamente baixas, que não disponham de qualquer sistema de controlo que estabilize a sua orientação, ou outros engenhos em condições semelhantes. Nessa situação, imaginamos que, ao longo do seu percurso, o engenho rode lentamente sobre si próprio.

O problema de minimização da resistência média em corpos rotativos não convexos foi já estudado para o caso bidimensional [17]: demonstrou-se que a redução da resistência que é possível obter em relação ao caso convexo não ultrapassa os 1.22%percent1221.22\%. Por sua vez, o problema de maximização da resistência média de corpos em rotação está longe de ser trivial, contrariamente ao que se passa quando se trata de movimento puramente translacional. Foi, por isso, esta classe de problemas o objecto de estudo do trabalho realizado pelo autores em [18, 19]: investigaram-se formas de corpos não convexos que maximizassem a resistência que os mesmos teriam que enfrentar quando se deslocassem em meios rarefeitos e, simultaneamente, exibissem um ligeiro movimento rotacional. Com o estudo numérico que se levou a cabo, foram encontradas várias formas geométricas que conferiam aos corpos valores de resistência bastante interessantes; mas foi em investigações posteriores, desenvolvidas na continuação desse trabalho, que os autores conseguiram chegar ao melhor dos resultados: uma forma bidimensional que confere ao corpo uma resistência muito próxima do seu limite máximo teórico. É este último resultado que agora aqui se apresenta.

A apresentação do trabalho encontra-se organizada como se segue. Em §2 começamos por definir, para o caso bidimensional, o problema de maximização, objecto do presente estudo. Depois, em §3, descrevemos o estudo numérico que foi realizado no encalço do corpo de resistência máxima e apresentamos o principal resultado original deste trabalho: uma forma bidimensional que maximiza a resistência newtoniana. A forma bidimensional encontrada é então objecto de um estudo em §4 onde se demonstram algumas propriedades importantes que ajudam a explicar o valor de resistência que apresenta. Em §5 apresentamos um estudo exploratório sobre outras possíveis aplicações do nosso resultado. Por fim, em §6, apresentamos as principais conclusões do presente trabalho e incluímos alguns apontamentos sobre as possíveis direcções do trabalho a realizar futuramente.

2 Definição do problema para o caso bidimensional

Considere-se um disco em rotação lenta e uniforme, deslocando-se numa direcção paralela ao seu plano. Denotemos o disco de raio r𝑟r por Crsubscript𝐶𝑟C_{r} e a sua fronteira por Crsubscript𝐶𝑟\partial C_{r}. Retiremos então pequenas porções do disco ao longo de todo o seu perímetro, numa vizinhança ε𝜀\varepsilon de Crsubscript𝐶𝑟\partial C_{r}, com ε+𝜀subscript\varepsilon\in\mathbb{R}_{+} de valor arbitrariamente pequeno quando comparado com o valor de r𝑟r. Ficamos assim com um novo corpo B𝐵B definido por um subconjunto de Crsubscript𝐶𝑟C_{r} e caracterizado por uma certa rugosidade ao longo de todo o seu perímetro. A questão essencial que se coloca é a seguinte: até quanto pode ser aumentada a resistência de um corpo B𝐵B? Mais do que conhecermos o valor absoluto dessa resistência, estamos sobretudo interessados em saber qual o ganho que se consegue obter em relação à resistência do corpo liso (contorno perfeitamente circular, neste caso), ou seja, conhecer o valor normalizado

R(B)=Resistência(B)Resistência(Cr).𝑅𝐵Resistência𝐵Resistênciasubscript𝐶𝑟.R(B)=\frac{\text{Resist\^{e}ncia}(B)}{\text{Resist\^{e}ncia}(C_{r})}\text{.} (1)

É possível, desde logo, conhecermos alguns valores de referência importantes para a resistência normalizada: R(Cr)=1𝑅subscript𝐶𝑟1R(C_{r})=1 e o valor da resistência R(B)𝑅𝐵R(B) terá que se situar entre 0.9878098780.9878 ([17]) e 1.5151.5. O valor 1.5151.5 será hipoteticamente atingido se todas as partículas forem reflectidas pelo corpo com uma velocidade 𝐯+superscript𝐯\mathbf{v}^{+} (velocidade com que as partículas se afastam definitivamente do corpo) oposta à velocidade de incidência 𝐯𝐯\mathbf{v} (velocidade com que as partícula atingem o corpo pela primeira vez), 𝐯+=𝐯superscript𝐯𝐯\mathbf{v}^{+}=-\mathbf{v}, situação em que é transmitida ao corpo a máxima quantidade de movimento. É ainda possível conhecermos o valor da resistência de alguns corpos elementares do tipo B𝐵B. É o caso, por exemplo, de discos com o contorno integralmente formado por reentrâncias rectangulares arbitrariamente pequenas ou com a forma de triângulos rectângulos isósceles. Tal como demonstrado em [18, 19], esses corpos têm associado uma resistência, respectivamente, de R=1.25𝑅125R=1.25 e R=2𝑅2R=\sqrt{2}.

Para além de ser definido numa vizinhança ε𝜀\varepsilon interior da fronteira do disco Crsubscript𝐶𝑟C_{r}, assume-se que o corpo que se pretende maximizar é um conjunto B2𝐵superscript2B\in\mathbb{R}^{2} conexo e limitado, e com fronteira B𝐵\partial B seccionalmente suave. Considere-se então um bilhar em 2Bsuperscript2𝐵\mathbb{R}^{2}\setminus B. Uma partícula infinitesimal move-se livremente, até que, ao colidir com o corpo B𝐵B, sofre várias reflexões (uma no mínimo) em pontos regulares da sua fronteira B𝐵\partial B, acabando por retomar um movimento livre que a afasta definitivamente do corpo. Represente-se por convBconv𝐵\text{conv}B o conjunto definido pelo invólucro convexo de B𝐵B. A partícula intercepta por duas vezes o contorno (convB)conv𝐵\partial(\text{conv}B): quando entra no conjunto convBconv𝐵\text{conv}B e no momento em que o abandona. Considere-se L=|(convB)|𝐿conv𝐵L=|\partial(\text{conv}B)| o comprimento total da curva (convB)conv𝐵\partial(\text{conv}B) e represente-se por 𝐯𝐯\mathbf{v} e 𝐯+superscript𝐯\mathbf{v}^{+} a velocidade da partícula no primeiro e segundo momentos de intercepção, e x𝑥x e x+superscript𝑥x^{+} os respectivos pontos onde ocorrem. Denote-se ainda por φ𝜑\varphi e φ+superscript𝜑\varphi^{+} os ângulos que os vectores 𝐯𝐯-\mathbf{v} e 𝐯+superscript𝐯\mathbf{v}^{+} fazem com o vector normal à secção da curva (convB)conv𝐵\partial(\text{conv}B) (direccionado para fora) entre os pontos x𝑥x e x+superscript𝑥x^{+}. Serão positivos se forem definidos no sentido anti-horário a partir do vector normal, e negativos caso contrário. Com estas definições, tanto φ𝜑\varphi como φ+superscript𝜑\varphi^{+} tomam valores no intervalo [π/2,π/2]𝜋2𝜋2[-\pi/2,\pi/2].

Representando as cavidades que caracterizam o contorno de B𝐵B por subconjuntos Ω1,Ω2,subscriptΩ1subscriptΩ2\Omega_{1},\Omega_{2},\ldots, que no seu todo formam o conjunto convBBconv𝐵𝐵\text{conv}B\setminus B, a resistência normalizada do corpo B𝐵B (equação (1)) assume a seguinte forma (cf. [18, 19]):

R(B)=|(convB)||Cr|(L0L+i0LiLR(Ω~i)),𝑅𝐵conv𝐵subscript𝐶𝑟subscript𝐿0𝐿subscript𝑖0subscript𝐿𝑖𝐿𝑅subscript~Ω𝑖,R(B)=\frac{|\partial(\text{conv}B)|}{|\partial C_{r}|}\left(\frac{L_{0}}{L}+\sum_{i\neq 0}{\frac{L_{i}}{L}R(\tilde{\Omega}_{i})}\right)\text{,} (2)

sendo L0=|(convB)B|subscript𝐿0conv𝐵𝐵L_{0}=|\partial(\text{conv}B)\cap\partial B| o comprimento da parte convexa do contorno B𝐵\partial B, Li=|(convB)Ωi|subscript𝐿𝑖conv𝐵subscriptΩ𝑖L_{i}=|\partial(\text{conv}B)\cap{\Omega}_{i}|, com i=1,2,𝑖1.2i=1,2,\ldots, o tamanho da abertura da cavidade ΩisubscriptΩ𝑖{\Omega}_{i}, e R(Ω~i)𝑅subscript~Ω𝑖R(\tilde{\Omega}_{i}) a resistência normalizada da cavidade Ω~isubscript~Ω𝑖\tilde{\Omega}_{i}, em relação a um segmento liso de tamanho unitário, com

R(Ω~i)=381/21/2π/2π/2(1+cos(φ+(x,φ)φ))cosφdφdx.𝑅subscript~Ω𝑖38superscriptsubscript1212superscriptsubscript𝜋2𝜋21superscript𝜑𝑥𝜑𝜑𝜑d𝜑d𝑥.R(\tilde{\Omega}_{i})=\frac{3}{8}\int_{-1/2}^{1/2}\int_{-\pi/2}^{\pi/2}\left(1+\cos\left(\varphi^{+}(x,\varphi)-\varphi\right)\right)\cos\varphi\,\mathrm{d}\varphi\,\mathrm{d}x\text{.} (3)

A função φ+superscript𝜑\varphi^{+} deve ser vista como o ângulo de saída duma partícula que interage com uma cavidade Ω~isubscript~Ω𝑖\tilde{\Omega}_{i} de abertura de tamanho unitário, centrada no eixo dos x𝑥x (ver ilustração da Figura 1), e com a forma de ΩisubscriptΩ𝑖\Omega_{i} — relacionando-se com esta por um factor de proporcionalidade 1/Li1subscript𝐿𝑖1/L_{i}.

Refer to caption
Figura 1: Exemplo de trajectória que uma partícula descreve no interior de uma cavidade normalizada.

Da equação (2) percebemos que a resistência de um corpo B𝐵B pode ser vista como uma média ponderada (iLi/L=1subscript𝑖subscript𝐿𝑖𝐿1\sum_{i}L_{i}/L=1) das resistências das cavidades individuais que caracterizam toda a sua fronteira (incluindo “cavidades” lisas), multiplicada por um factor que relaciona os perímetros dos corpos convBconv𝐵\text{conv}B e Crsubscript𝐶𝑟C_{r}. Assim, maximizarmos a resistência do corpo B𝐵B equivale a maximizarmos o perímetro de convBconv𝐵\text{conv}B (|(convB)||Cr|conv𝐵subscript𝐶𝑟|\partial(\text{conv}B)|\leq|\partial C_{r}|) e as resistências individuais das cavidades ΩisubscriptΩ𝑖\Omega_{i}.

Encontrada a forma óptima ΩsuperscriptΩ\Omega^{*}, que maximize a funcional (3), o corpo B𝐵B de resistência máxima será aquele cuja fronteira seja formada unicamente pela concatenação de pequenas cavidades com essa forma. Podemos então restringir o nosso problema à subclasse de corpos B𝐵B que tenham a sua fronteira integralmente preenchida por cavidades iguais, e com isso admitir, sem qualquer perda de generalidade, que cada cavidade ΩisubscriptΩ𝑖\Omega_{i} ocupa o lugar de um arco de círculo de tamanho εrmuch-less-than𝜀𝑟\varepsilon\ll r. Como Li=2rsin(ε/2r)subscript𝐿𝑖2𝑟𝜀2𝑟L_{i}=2r\sin(\varepsilon/2r), a razão entre os perímetros assume o valor

|(convB)||Cr|=sin(ε/2r)ε/2r1(ε/r)224,conv𝐵subscript𝐶𝑟𝜀2𝑟𝜀2𝑟1superscript𝜀𝑟224,\frac{|\partial(\text{conv}B)|}{|\partial C_{r}|}=\frac{\sin(\varepsilon/2r)}{\varepsilon/2r}\approx 1-\frac{(\varepsilon/r)^{2}}{24}\text{,} (4)

ou seja, dado um corpo B𝐵B de fronteira formada por cavidades com a forma ΩΩ\Omega, de (2) e (4) concluímos que a resistência total do corpo será igual à resistência da cavidade individual ΩΩ\Omega, menos uma pequena fracção desse valor, que será negligenciável quando εrmuch-less-than𝜀𝑟\varepsilon\ll r,

R(B)R(Ω)(ε/r)224R(Ω).𝑅𝐵𝑅Ωsuperscript𝜀𝑟224𝑅Ω.R(B)\approx R(\Omega)-\frac{(\varepsilon/r)^{2}}{24}R(\Omega)\text{.} (5)

Assim, as nossas pesquisas têm como objectivo encontrar formas de cavidades ΩΩ\Omega que maximizem o valor da funcional (3), cujo supremo sabemos situar-se no intervalo

1supΩR(Ω)1.5,1subscriptsupΩ𝑅Ω15,1\leq\text{sup}_{\Omega}R(\Omega)\leq 1.5\text{,} (6)

como facilmente se comprova usando (3): se ΩΩ\Omega for um segmento liso, φ+(x,φ)=φsuperscript𝜑𝑥𝜑𝜑\varphi^{+}(x,\varphi)=-\varphi e R(Ω)=381/21/2π/2π/2(1+cos(2φ))cosφdφdx=1𝑅Ω38superscriptsubscript1212superscriptsubscript𝜋2𝜋212𝜑𝜑d𝜑d𝑥1R(\Omega)=\frac{3}{8}\int_{-1/2}^{1/2}\int_{-\pi/2}^{\pi/2}\left(1+\cos\left(2\varphi\right)\right)\cos\varphi\,\mathrm{d}\varphi\,\mathrm{d}x=1; nas condições de resistência máxima φ+(x,φ)=φsuperscript𝜑𝑥𝜑𝜑\varphi^{+}(x,\varphi)=\varphi, logo R(Ω)381/21/2π/2π/22cosφdφdx=1.5𝑅Ω38superscriptsubscript1212superscriptsubscript𝜋2𝜋22𝜑d𝜑d𝑥15R(\Omega)\leq\frac{3}{8}\int_{-1/2}^{1/2}\int_{-\pi/2}^{\pi/2}2\cos\varphi\,\mathrm{d}\varphi\,\mathrm{d}x=1.5.

3 Estudo numérico do problema

Na classe de problemas que estamos a considerar, apenas para algumas formas ΩΩ\Omega muito elementares é possível desvendar a fórmula analítica da sua resistência (3), como são disso exemplo as formas rectangulares e triangulares anteriormente referenciadas. Para formas um pouco mais elaboradas, o cálculo analítico torna-se rapidamente demasiado complexo, senão impossível, dada a grande dificuldade em conhecermos a função φ+:[1/2,1/2]×[π/2,π/2][π/2,π/2]:superscript𝜑delimited-[]12.12𝜋2𝜋2𝜋2𝜋2\varphi^{+}:[-1/2,1/2]\times[-\pi/2,\pi/2]\rightarrow[-\pi/2,\pi/2], que, como sabemos, está intimamente relacionada com o formato da cavidade ΩΩ\Omega. Assim, o recurso à computação numérica surge como a abordagem natural e inevitável para se poder investigar essa classe de problemas.

Desenvolveram-se modelos computacionais que simulam a dinâmica de bilhar no interior de cada uma das formas ΩΩ\Omega estudadas. Os algoritmos de construção desses modelos, bem como os responsáveis pelo cálculo numérico da resistência associada, foram implementados usando a linguagem de programação C, dado o esforço computacional envolvido (a linguagem C foi criada em 1972 por Dennis Ritchie; para o seu estudo sugerimos, entre a extensa documentação disponível, aquele que é o livro de referência da linguagem, da autoria de Brian Kernighan e do próprio Dennis Ritchie, [10]). A eficiência do código objecto, gerado pelos compiladores de C, permitiu que a aproximação numérica de (3) fosse realizada com um número suficientemente elevado de subdivisões dos intervalos de integração — entre algumas centenas e vários milhares (até 500050005000). Os resultados foram, por isso, obtidos com uma precisão que atingiu em alguns dos casos 106superscript10610^{-6}. Essa precisão foi controlada por observação da diferença entre aproximações sucessivas da resistência R𝑅R que se iam obtendo com o aumento do número de subdivisões.

Para a maximização da resistência dos modelos idealizados, usaram-se os algoritmos de optimização global da toolboxGenetic Algorithm and Direct Search” (versão 2.0.1 (R2006a), documentada em [1]), uma colecção de funções que estende as capacidades de optimização do sistema de computação numérica MATLAB. A opção pelos métodos Genéticos e de procura Directa deveu-se essencialmente ao facto de os mesmos não requererem qualquer informação acerca do gradiente da função objectivo nem de derivadas de ordem superior — como a forma analítica da função resistência é em geral desconhecida (dado que depende de φ+(x,φ)superscript𝜑𝑥𝜑\varphi^{+}(x,\varphi)), esse tipo de informação, caso fosse necessária, teria que ser obtida por aproximação numérica, algo que dificultaria imenso o processo de optimização. O sistema de computação MATLAB (versão 7.2 (R2006a)) foi também escolhido por dispor de funcionalidades que permitiram que se usasse para função objectivo a subrotina compilada em C de cálculo da resistência, bem como a função φ+(x,φ)superscript𝜑𝑥𝜑\varphi^{+}(x,\varphi) por si invocada.

3.1 “Dupla Parábola”: uma forma bidimensional que maximiza a resistência

No estudo numérico que os autores realizaram em [18, 19] procuraram-se formas ΩfsubscriptΩ𝑓\Omega_{f} definidas por funções f:[1/2,1/2]+:𝑓delimited-[]12.12subscriptf:[-1/2,1/2]\rightarrow\mathbb{R}_{+} contínuas e seccionalmente diferenciáveis:

Ωf={(x,y):1/2x1/2, 0yf(x)}.subscriptΩ𝑓conditional-set𝑥𝑦12𝑥12.0𝑦𝑓𝑥.\Omega_{f}=\left\{(x,y):\,-1/2\leq x\leq 1/2,\;0\leq y\leq f(x)\right\}\text{.} (7)

Iniciou-se a procura da resistência máxima na classe de funções contínuas f𝑓f com derivada fsuperscript𝑓f^{\prime} seccionalmente constante, alargando-se depois o estudo a classes de funções com a segunda derivada f′′superscript𝑓′′f^{\prime\prime} seccionalmente constante. No primeiro dos casos o contorno de ΩfsubscriptΩ𝑓\Omega_{f} é uma linha poligonal, e no segundo, uma curva composta por arcos de parábolas. Não se tendo conseguido com as formas ΩfsubscriptΩ𝑓\Omega_{f} superar o valor de resistência R=1.44772𝑅144772R=1.44772, decidimos, neste novo estudo, estender a procura a formas diferentes das consideradas em (7). Estudámos formas ΩgsuperscriptΩ𝑔\Omega^{g} definidas por funções de y𝑦y em x𝑥x do seguinte modo:

Ωg={(x,y): 0yh,g(y)xg(y)},superscriptΩ𝑔conditional-set𝑥𝑦formulae-sequence 0𝑦𝑔𝑦𝑥𝑔𝑦,\Omega^{g}=\left\{(x,y):\,0\leq y\leq h,\;-g(y)\leq x\leq g(y)\right\}\text{,} (8)

onde h>00h>0 e g:[0,h]0+:𝑔0superscriptsubscript0g:[0,h]\rightarrow\mathbb{R}_{0}^{+} é uma função contínua com g(0)=1/2𝑔012g(0)=1/2 e g(h)=0𝑔0g(h)=0.

O novo problema de resistência máxima por nós estudado pode então ser formulado da seguinte forma:

Encontrar supgR(Ωg)subscriptsupremum𝑔𝑅superscriptΩ𝑔\sup_{g}R(\Omega^{g}) nas funções g:[0,h]0+:𝑔0superscriptsubscript0g:[0,h]\rightarrow\mathbb{R}_{0}^{+} contínuas e seccionalmente diferenciáveis, tais que g(0)=1/2𝑔012g(0)=1/2 e g(h)=0𝑔0g(h)=0, com h>00h>0.

À semelhança do estudo que se fez para os conjuntos ΩfsubscriptΩ𝑓\Omega_{f}, na procura das formas ΩgsuperscriptΩ𝑔\Omega^{g} consideraram-se funções g𝑔g seccionalmente lineares e seccionalmente quadráticas. Se na classes das funções lineares não se conseguiu qualquer ganho de resistência relativamente aos resultados obtidos para os conjuntos ΩfsubscriptΩ𝑓\Omega_{f}, já nas funções quadráticas os resultados superaram as melhores expectativas: encontrou-se uma forma de cavidade ΩgsuperscriptΩ𝑔\Omega^{g} que apresenta uma resistência R=1.4965𝑅14965R=1.4965, um valor já muito próximo do seu limite teórico de 1.5151.5. Este é seguramente um resultado muito interessante. Efectuaram-se ainda alguns testes com funções polinomiais de ordem superior ou descritas por secções cónicas específicas mas, não se tendo verificado qualquer ganho adicional na maximização da resistência, optou-se por não se reportar os respectivos resultados. Segue-se então a descrição do melhor resultado que se obteve, encontrado na classe das funções x=±g(y)𝑥plus-or-minus𝑔𝑦x=\pm g(y) quadráticas.

Estudou-se o valor da resistência de conjuntos ΩgsuperscriptΩ𝑔\Omega^{g}, tal como definidos em (8), na classe de funções quadráticas,

gh,β(y)=αy2+βy+1/2, para 0yh,formulae-sequencesubscript𝑔𝛽𝑦𝛼superscript𝑦2𝛽𝑦12 para 0𝑦g_{h,\beta}(y)=\alpha y^{2}+\beta y+1/2,\text{ para }0\leq y\leq h\,,

onde h>00h>0 e α=βh1/2h2𝛼𝛽12superscript2\alpha=\frac{-\beta h-1/2}{h^{2}} (dado que gh,β(h)=0subscript𝑔𝛽0g_{h,\beta}(h)=0). Na optimização da curva, fizeram-se variar os dois parâmetros de configuração da função: hh, a altura da curva ΩgsuperscriptΩ𝑔\partial\Omega^{g}, e β𝛽\beta, o seu declive na origem (g(0)superscript𝑔0g^{\prime}(0)). Nesta classe de funções os algoritmos de optimização convergiram rapidamente para um resultado muito interessante: a resistência máxima foi atingida com h=1.414214142h=1.4142 e β=0.0000𝛽00000\beta=0.0000, e assumiu o valor R=1.4965𝑅14965R=1.4965, ou seja, um valor 49.65%percent496549.65\% acima da resistência da forma rectilínea. É efectivamente um resultado muito importante:

  1. i.

    representa um ganho considerável no valor da resistência, relativamente ao melhor resultado anterior (obtido em [18, 19]), que se situava 44.77%percent447744.77\% acima do valor de referência;

  2. ii.

    o conjunto ΩgsuperscriptΩ𝑔\Omega^{g} correspondente tem uma forma bastante mais simples do que a do conjunto ΩfsubscriptΩ𝑓\Omega_{f} associada ao melhor resultado anterior, uma vez que é formada por dois arcos de parábolas simétricos, quando a anterior era constituída por catorze desses arcos;

  3. iii.

    esse novo valor de resistência está já muito próximo do seu limite máximo teórico que, como se sabe, situa-se 50%percent5050\% acima do valor de referência;

  4. iv.

    os parâmetros óptimos parecem assumir valores que dão ao conjunto ΩgsuperscriptΩ𝑔\Omega^{g} uma configuração com características muito especiais, como a seguir se perceberá.

Repare-se que os parâmetros óptimos parecem aproximar-se dos valores h=2=1.414212141421h=\sqrt{2}=1.41421\ldots e β=0𝛽0\beta=0. Coloca-se então a seguinte questão:

Não serão esses os valores exactos dos parâmetros óptimos?

A representação gráfica da função R(h,β)𝑅𝛽R(h,\beta) através de curvas de nível, Figura 2, está em perfeita concordância com essa possibilidade — repare-se que as curvas de nível parecem perfeitamente centradas no ponto de coordenadas (2,0)2.0(\sqrt{2},0), assinalado na figura por um “++”.

Refer to caption Refer to caption
(a) (b)
Figura 2: Curvas de nível da função R(h,β)𝑅𝛽R(h,\beta).

Veja-se também, na Figura 3, o gráfico da resistência R(h)𝑅R(h) para β=0𝛽0\beta=0, onde é igualmente perceptível uma surpreendente elevação da resistência quando h22h\rightarrow\sqrt{2}. Calculou-se então numericamente a resistência da cavidade ΩghβsuperscriptΩsubscript𝑔𝛽\Omega^{g_{h\beta}} com os valores exactos h=22h=\sqrt{2} e β=0𝛽0\beta=0, tendo o resultado confirmado o valor 1.496501496501.49650.

Refer to caption
Figura 3: Gráfico da resistência R(h)𝑅R(h) para β=0𝛽0\beta=0.

Existe ainda uma razão adicional que sugere também uma resposta afirmativa à questão formulada. A forma do conjunto Ωgh,βsuperscriptΩsubscript𝑔𝛽\Omega^{g_{h,\beta}} com h=22h=\sqrt{2} e β=0𝛽0\beta=0 é um caso particular a que estão associadas características especiais que poderão justificar o elevado valor de resistência que apresenta. As duas secções da forma são arcos equivalentes de duas parábolas de eixos horizontais e concavidades voltadas uma para a outra — ver Figura 4. Mas a particularidade da configuração reside no facto do eixo das parábolas coincidir com a linha de entrada da cavidade (eixo dos x𝑥x), e o foco de cada uma situar-se no vértice da outra. Repare-se que, sendo a equação da parábola do lado direito dada por x=g2,0(y)𝑥subscript𝑔2.0𝑦x=g_{\sqrt{2},0}(y), obtém-se y2=4(x1/2)superscript𝑦24𝑥12y^{2}=-4(x-1/2), confirmando que o vértice é em (1/2,0)12.0(1/2,0) e que o foco dista deste uma unidade. Desse modo, por razões de simetria, os focos e os vértices das duas parábolas situam-se nos extremos da abertura da cavidade, (1/2,0)12.0(-1/2,0) e (1/2,0)12.0(1/2,0), tal como se ilustra no esquema da Figura 4b.

Refer to caption Refer to caption
(a) (b)
Figura 4: Forma 2D (quase) óptima — futuramente conhecida por Dupla Parábola.

O elevado valor da resistência desta forma de cavidade está ainda expresso, embora de modo implícito, no gráfico da função integranda da funcional (3), apresentado na Figura 5. Trata-se de uma superfície com uma forma bastante suave em quase todo o seu domínio e, mais importante, quase não varia com x𝑥x e parece descrever a forma da função 2cosφ2𝜑2\cos\varphi na direcção do eixo dos φ𝜑\varphi. Estes atributos, quando verificados na sua plenitude, estão associados ao maior valor de resistência admissível, R=1.5𝑅15R=1.5.111Se a função integranda tomar a forma G(x,φ)=2cosφ𝐺𝑥𝜑2𝜑G(x,\varphi)=2\cos\varphi, de (3) obtém-se R=1.5𝑅15R=1.5.

Refer to caption
Figura 5: Gráfico da função integranda G(x,φ)=(1+cos(φ+(x,φ)φ))cosφ𝐺𝑥𝜑1superscript𝜑𝑥𝜑𝜑𝜑G(x,\varphi)=\left(1+\cos\left(\varphi^{+}(x,\varphi)-\varphi\right)\right)\cos\varphi.

Esta forma de cavidade parece tratar-se efectivamente de um caso muito particular. Contrariamente ao que se passou com todas as outras formas anteriormente estudadas, a função integranda aparenta uma forma bastante suave, apresentando apenas pequenas irregularidades para ângulos φ𝜑\varphi de pequena amplitude. Atendendo a essa característica, e tendo em conta que G(x,φ)𝐺𝑥𝜑G(x,\varphi) quase não depende de x𝑥x, a resistência foi calculada, para esta forma em particular, usando a regra de Simpson 1/3131/3 na integração em ordem a φ𝜑\varphi. A dupla integração na equação (3) foi então aproximada numericamente pela seguinte expressão:

R=12ΔxΔφi=Nx/2+1Nxk=1Nφ1wk(1+cos(φ+(xi,φk)φk))cosφk,𝑅12Δ𝑥Δ𝜑superscriptsubscript𝑖subscript𝑁𝑥21subscript𝑁𝑥superscriptsubscript𝑘1subscript𝑁𝜑1subscript𝑤𝑘1superscript𝜑subscript𝑥𝑖subscript𝜑𝑘subscript𝜑𝑘subscript𝜑𝑘,R=\frac{1}{2}\Delta x\Delta\varphi\sum_{i=N_{x}/2+1}^{N_{x}}\sum_{k=1}^{N_{\varphi}-1}w_{k}\left(1+\cos\left(\varphi^{+}(x_{i},\varphi_{k})-\varphi_{k}\right)\right)\cos\varphi_{k}\text{,} (9)

com wk=2subscript𝑤𝑘2w_{k}=2 para k𝑘k ímpar e wk=1subscript𝑤𝑘1w_{k}=1 para k𝑘k par, xi=1/2+(i1/2)Δxsubscript𝑥𝑖12𝑖12Δ𝑥x_{i}=-1/2+(i-1/2)\Delta x, Δx=1/NxΔ𝑥1subscript𝑁𝑥\Delta x=1/N_{x}, φk=π/2+kΔφsubscript𝜑𝑘𝜋2𝑘Δ𝜑\varphi_{k}=-\pi/2+k\Delta\varphi e Δφ=π/NφΔ𝜑𝜋subscript𝑁𝜑\Delta\varphi=\pi/N_{\varphi}. Nxsubscript𝑁𝑥N_{x} e Nφsubscript𝑁𝜑N_{\varphi} são o número de subintervalos a considerar na integração das variáveis x𝑥x e φ𝜑\varphi (ambos números pares), respectivamente, e ΔxΔ𝑥\Delta x e ΔφΔ𝜑\Delta\varphi os incrementos para as correspondentes variáveis discretas. Dado que a forma Ωg2,0superscriptΩsubscript𝑔2.0\Omega^{g_{\sqrt{2},0}} apresenta simetria horizontal, o primeiro somatório da expressão considera apenas a segunda metade do intervalo de integração da variável x𝑥x.

Para que passe a ser facilmente referenciável, esta forma de cavidade (Figura 4a) passará, a partir de agora, a ser designada simplesmente por “Dupla Parábola”. Assim, no contexto deste trabalho, o termo “Dupla Parábola” deve ser sempre entendido como o nome da cavidade cuja forma é descrita por duas parábolas que, para além de serem geometricamente iguais, encontram-se “encaixadas” na disposição peculiar que referimos.

Uma vez que a resistência da Dupla Parábola assume um valor já muito próximo do seu limite teórico, numa derradeira tentativa de se vir a conseguir atingir esse limite, resolveu-se estender ainda o estudo a outras classes de funções g(y)𝑔𝑦g(y) que admitissem a Dupla Parábola como caso particular ou que permitissem configurações próximas dessa forma quase óptima. Em todos esses casos os melhores resultados foram invariavelmente obtidos quando a forma das curvas se aproximou da forma da Dupla Parábola, sem nunca terem superado o valor R=1.4965𝑅14965R=1.4965. Começou-se por considerar funções g(y)𝑔𝑦g(y) seccionalmente quadráticas, incluindo curvas splines, sem que se conseguissem resultados interessantes; apenas para funções g(y)𝑔𝑦g(y) de 222 ou 333 segmentos foi possível aproximarmo-nos da resistência e da forma da Dupla Parábola. Consideraram-se também funções g(y)𝑔𝑦g(y) cúbicas e biquadráticas222Nas curvas biquadráticas, o ponto de intercepção da trajectória da partícula com a fronteira da cavidade é calculado resolvendo uma equação do 4º grau. As raízes dessa equação foram obtidas numericamente usando o método descrito em [8]. As equações de ordem inferior foram sempre resolvidas recorrendo às conhecidas fórmulas resolventes., mas em ambos os casos o processo de optimização aproximou-as a curvas de ordem quadrática, com os coeficientes de maior ordem a tomarem valores quase nulos. Estudou-se o problema na classe das secções cónicas, considerando-se, para faces laterais da cavidade, dois arcos simétricos quer de uma elipse quer de uma hipérbole. Também nestes casos os arcos assumiram uma forma muito próxima dos arcos de parábolas.

Sendo a Dupla Parábola a melhor forma encontrada, e tratando-se de uma forma quase óptima, na secção que se segue é objecto de um estudo aprofundado, de natureza essencialmente analítica, onde se tentam perceber as razões do seu bom desempenho.

4 Caracterização das reflexões na forma “Dupla Parábola”

Cada uma das ilustrações da Figura 6 reproduz, para a “Dupla Parábola”, uma trajectória concreta, obtida com o nosso modelo computacional.

Refer to caption Refer to caption Refer to caption
(a) x=0.45𝑥045x=0.45, φ=75𝜑superscript75\varphi=75^{\circ}. (b) x=0.45𝑥045x=0.45, φ=55𝜑superscript55\varphi=55^{\circ}. (c) x=0.45𝑥045x=0.45, φ=35𝜑superscript35\varphi=35^{\circ}.
Refer to caption Refer to caption Refer to caption
(d) x=0.3𝑥03x=0.3, φ=75𝜑superscript75\varphi=75^{\circ}. (e) x=0.0𝑥00x=0.0, φ=35𝜑superscript35\varphi=35^{\circ}. (f) x=0.48𝑥048x=0.48, φ=5𝜑superscript5\varphi=5^{\circ}.
Figura 6: Exemplo de trajectórias obtidas com o modelo computacional.

É reconfortante verificar que, à excepção da última trajectória, em todas as restantes a partícula surge à saída da cavidade com uma velocidade quase invertida relativamente àquela que foi a sua velocidade de entrada. Este é o “sintoma” que caracteriza inequivocamente uma cavidade de óptimo desempenho. Mesmo no caso da trajectória da ilustração (f), a direcção da velocidade de saída parece não andar muito distante da de entrada.

Se analisarmos as cinco primeiras ilustrações, verificamos existir algo em comum no comportamento da partícula: para descrever a trajectória, a partícula é sempre sujeita a três reflexões. Esta parece ser uma característica determinante para a aproximação dos ângulos de entrada e de saída. Se, por exemplo, imaginarmos três trajectórias com configurações próximas, respectivamente, das trajectórias (a), (b) e (c), mas com a diferença de não possuírem a terceira reflexão, o resultado será completamente diferente, como facilmente se depreende das ilustrações. Embora esta convicção seja por enquanto de natureza essencialmente empírica, os resultados do estudo que se segue vão no sentido de confirmar que uma parte muito significativa das trajectórias “benignas” — aquelas em que os vectores velocidade de entrada e de saída são quase paralelos; chamemos-lhes assim por representarem contribuições positivas na maximização da resistência — subentendem exactamente três reflexões.

Vamos agora tentar interpretar outro tipo de resultados obtidos com o nosso modelo computacional, começando pela representação gráfica do valor da diferença entre os ângulos de entrada e de saída (φφ+(x,φ))\varphi-\varphi^{+}(x,\varphi)), em função da posição de entrada x𝑥x e do ângulo de entrada φ𝜑\varphi — ver Figura 7. O gráfico foi produzido usando 100100100 valores, uniformemente distribuídos, para cada uma das variáveis x(0,0.5)𝑥0.05x\in\left(0,0.5\right) e φ(90,90)𝜑superscript90superscript.90\varphi\in\left(-90^{\circ},90^{\circ}\right) — dada a simetria da cavidade em relação ao eixo x=0𝑥0x=0, obter-se-ia um resultado equivalente para o intervalo x(0.5,0)𝑥05.0x\in\left(-0.5,0\right).

Refer to caption
Figura 7: Representação gráfica da diferença angular φφ+(x,φ)𝜑superscript𝜑𝑥𝜑\varphi-\varphi^{+}(x,\varphi).

Este gráfico mostra-nos que, independentemente do valor da posição de entrada x𝑥x, a diferença angular é aproximadamente nula para ângulos de entrada φ𝜑\varphi de amplitude elevada, apresentando valores menos interessantes quando φ𝜑\varphi se aproxima de zero. Portanto, começa-se a perceber que as trajectórias “benignas” têm origem essencialmente em ângulos de entrada de amplitude elevada.

Os gráficos das figuras 8 e 9, que se seguem no nosso estudo, foram produzidos com 10.0001000010.000 pares de valores (x,φ)𝑥𝜑(x,\varphi), gerados por um processo aleatório de distribuição uniforme. O primeiro deles mostra a distribuição dos pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}) no plano cartesiano.

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Figura 8: Representação no plano cartesiano da distribuição dos pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}).

Os pontos concentram-se nas proximidades da diagonal φ=φ+𝜑superscript𝜑\varphi=\varphi^{+}, o que é revelador de um bom comportamento da cavidade. Também com estes resultados se confirma que a resposta da cavidade se vai deteriorando quando φ𝜑\varphi se aproxima de zero.

Vejamos o segundo gráfico, expresso na Figura 9, onde se encontra representada no plano cartesiano a distribuição dos pares (φ,ymax)𝜑subscript𝑦𝑚𝑎𝑥(\varphi,y_{max}), sendo ymaxsubscript𝑦𝑚𝑎𝑥y_{max} a altura atingida pela partícula.

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Figura 9: Distribuição no plano cartesiano dos pares (φ,ymax)𝜑subscript𝑦𝑚𝑎𝑥(\varphi,y_{max}), sendo ymaxsubscript𝑦𝑚𝑎𝑥y_{max} a altura atingida pela partícula.

Pela análise da figura, constatam-se essencialmente duas coisas: que a altura atingida pela partícula quase não depende da posição de entrada x𝑥x, dependendo essencialmente do valor do ângulo de entrada φ𝜑\varphi, em especial para ângulos elevados — esta relação é perceptível na Figura 6, quando comparamos a ilustração (a) com a (d) e a (c) com a (e) —; e que a altura que a partícula pode atingir aumenta com a diminuição da amplitude do ângulo de entrada.

Comparando agora os gráficos 8 e 9, percebe-se que existe uma forte correlação entre o desempenho da cavidade e a altura atingida pela partícula: quanto mais elevada é a altura atingida, maior é a dispersão dos valores em relação à diagonal φ=φ+𝜑superscript𝜑\varphi=\varphi^{+}. Este facto leva-nos a supor que a forma do contorno da cavidade é a ideal junta da sua base, mas vai deixando de o ser à medida que nos aproximamos do topo da cavidade.

A zona da cavidade que interage com a partícula parece não ser o único factor a condicionar a similitude entre os ângulos φ𝜑\varphi e φ+superscript𝜑\varphi^{+}. Se repararmos no gráfico 8, parece existir uma perturbação adicional no comportamento da cavidade quando a amplitude do ângulo de entrada é inferior a cerca de 20superscript2020^{\circ}, que leva a que alguns pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}) fiquem, em relação aos restantes, mais dispersos e mais distantes da diagonal φ+=φsuperscript𝜑𝜑\varphi^{+}=\varphi. Chamámos já a atenção para a possível importância das 3 reflexões no grau de aproximação verificado nos ângulos φ𝜑\varphi e φ+superscript𝜑\varphi^{+}. Ocorre-nos por isso a seguinte questão: não será precisamente o número de reflexões que, ao se diferenciar das 3 ocorrências, interfere tão negativamente no comportamento da cavidade? As investigações que se seguem vão demonstrar, entre outras coisas, que esta nossa suspeita tem fundamento.

A confirmar-se a nossa última conjectura, e atendendo ao aspecto da distribuição dos pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}) no gráfico 8, é expectável que exista para φ𝜑\varphi um intervalo (φ0,φ0)(20,20)subscript𝜑0subscript𝜑0superscript20superscript.20(-\varphi_{0},\varphi_{0})\subset(-20^{\circ},20^{\circ}) que abarque todas as trajectórias que não sejam formadas por 3 reflexões. A existência e identificação desse intervalo são garantidas com a demonstração apresentada na subsecção 4.1 do postulado que se segue:

Para ângulos de entrada φ𝜑\varphi superiores (em valor absoluto) a φ0=arctan(24)19.47subscript𝜑024similar-to-or-equalssuperscript1947\varphi_{0}=\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{4}\right)\simeq 19.47^{\circ}, o número de reflexões a que a partícula é sujeita no interior da cavidade é sempre igual a três, e ocorrem alternadamente nas faces esquerda e direita da cavidade, para qualquer que seja a posição de entrada.

De forma a verificarmos que as deduções que fizemos estão efectivamente em concordância com os resultados numéricos do modelo computacional desenvolvido, apresentamos mais dois gráficos, Figuras 10 e 11, ambos produzidos com 10.0001000010.000 pares de valores (x,φ)𝑥𝜑(x,\varphi), gerados aleatoriamente com distribuição uniforme.

Refer to caption
Figura 10: Distribuição no plano cartesiano dos pares (φ,nc)𝜑𝑛𝑐(\varphi,nc), sendo nc𝑛𝑐nc o nº de colisões.

Como pode ser observado na Figura 10, todas as trajectórias com 4 ou mais reflexões (colisões), entre as 10.0001000010.000 consideradas, aconteceram dentro do intervalo (φ0,φ0)subscript𝜑0subscript𝜑0(-\varphi_{0},\varphi_{0}). Fora desse intervalo (para |φ|>φ0𝜑subscript𝜑0\left|\varphi\right|>\varphi_{0}) as trajectórias são sempre de três reflexões. Adicionalmente, podemos também verificar não existir qualquer trajectória com menos de três reflexões. Provaremos na subsecção 4.2 ser esta também uma característica da cavidade.

Não menos elucidativo é o resultado apresentado no gráfico da Figura 11, onde diferenciámos dos restantes os pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}) que estão associados a trajectórias com 3 reflexões.

Refer to caption
Figura 11: Distribuição dos pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}): (\cdot) pares associados a trajectórias com 3 reflexões; (\circ) pares associados a trajectórias com 4 ou mais reflexões.

Constata-se, tal como suspeitávamos, que os pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}) que se encontram mais dispersos e mais distantes da diagonal φ+=φsuperscript𝜑𝜑\varphi^{+}=\varphi, estão todos eles associados a trajectórias com 4 ou mais reflexões.

Das conclusões a que chegámos podemos de imediato retirar o seguinte corolário: mesmo nas condições que conduzem ao pior desempenho da cavidade — 4 ou mais reflexões —, a diferença angular |φφ+|𝜑superscript𝜑\left|\varphi-\varphi^{+}\right|, por maior que seja, nunca será superior a 2φ038.94similar-to-or-equals2subscript𝜑0superscript38942\varphi_{0}\simeq 38.94^{\circ}, valor que é bastante inferior ao maior ângulo que é possível formar entre dois vectores (180superscript180180^{\circ}). A demonstração deste corolário é simples: como uma trajectória de 4 ou mais reflexões está sempre associada a um ângulo de entrada φ0<φ<φ0subscript𝜑0𝜑subscript𝜑0-\varphi_{0}<\varphi<\varphi_{0}, o ângulo de saída situar-se-á necessariamente no mesmo intervalo; tendo em conta a propriedade de reversibilidade associada à lei de reflexão que rege as reflexões, se por absurdo admitíssemos |φ+|>φ0superscript𝜑subscript𝜑0\left|\varphi^{+}\right|>\varphi_{0}, ao invertermos o sentido de marcha da partícula, passaríamos a ter uma trajectória de mais de 3 reflexões com um ângulo de entrada φ+superscript𝜑\varphi^{+} situado fora do intervalo (φ0,φ0)subscript𝜑0subscript𝜑0(-\varphi_{0},\varphi_{0}), o que entraria em contradição com o postulado inicial. Os resultados apresentados na Figura 11 estão em concordância com este novo facto, uma vez que todos os pares (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}) com mais de três reflexões parecem situar-se no interior da região (φ0,φ0)×(φ0,φ0)subscript𝜑0subscript𝜑0subscript𝜑0subscript𝜑0(-\varphi_{0},\varphi_{0})\times(-\varphi_{0},\varphi_{0}).

Resumindo:

  • A altura que a partícula atinge no interior da cavidade interfere negativamente na aproximação dos ângulos φ𝜑\varphi e φ+superscript𝜑\varphi^{+}, levando-nos a pensar que a forma da cavidade é a ideal, ou muito próxima da ideal, junto à sua base, mas vai perdendo qualidades em zonas mais elevadas da cavidade;

  • O maior desfazamento entre φ𝜑\varphi e φ+superscript𝜑\varphi^{+} ocorre em trajectórias de 4 ou mais reflexões;

  • Verifica-se, em todo o intervalo de variação de φ𝜑\varphi, uma grande predominância das trajectórias com 3 reflexões;

  • Não existem trajectórias com menos de 3 reflexões;

  • O ângulo crítico φ0subscript𝜑0\varphi_{0} tem o valor: φ0=arctan(24)19.47subscript𝜑024similar-to-or-equalssuperscript1947\varphi_{0}=\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{4}\right)\simeq 19.47^{\circ};

  • Fora do intervalo (φ0,φ0)subscript𝜑0subscript𝜑0(-\varphi_{0},\varphi_{0}), todas as trajectórias são de 3 reflexões;

  • Em trajectórias com 4 ou mais reflexões, a diferença angular é delimitada por 2φ02subscript𝜑02\varphi_{0}: |φφ+|<2φ0𝜑superscript𝜑2subscript𝜑0\left|\varphi-\varphi^{+}\right|<2\varphi_{0}.

4.1 Uma condição suficiente para a ocorrência de três reflexões

Teorema 1.

Para ângulos de entrada φ𝜑\varphi superiores (em valor absoluto) a φ0=arctan(24)19.47subscript𝜑024similar-to-or-equalssuperscript1947\varphi_{0}=\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{4}\right)\simeq 19.47^{\circ}, o número de reflexões a que a partícula é sujeita no interior da cavidade Dupla Parábola é sempre igual a três, e ocorrem alternadamente nas faces esquerda e direita da cavidade, para qualquer que seja a posição de entrada.

Para demonstrarmos o teorema que acabámos de enunciar, estudaremos a trajectória de uma partícula passo a passo, desde o momento em que entra na cavidade até ao momento em que a abandona, e usaremos as ilustrações das figuras 1214 para nos auxiliarem nessa demonstração.

Considere-se uma partícula que entra na cavidade em (x,0)𝑥.0(x,0), com o vector velocidade a formar um ângulo φ𝜑\varphi com o eixo vertical, tal como se encontra representado nas ilustrações da Figura 12, onde assumimos que o eixo de simetria da cavidade é o eixo dos y𝑦y e que a sua base A0A1¯¯subscript𝐴0subscript𝐴1\overline{A_{0}A_{1}} assenta no eixo dos x𝑥x. Assim, a posição da partícula à entrada da cavidade assume apenas valores no intervalo (12,12)×{0}12120\left(-\frac{1}{2},\,\frac{1}{2}\right)\times\{0\}.

Refer to caption
Figura 12: Conjunto de ilustrações para estudo da trajectória de partículas com ângulos de entrada φ>φ019.47𝜑subscript𝜑0similar-to-or-equalssuperscript1947\varphi>\varphi_{0}\simeq 19.47^{\circ}, na cavidade “Dupla Parábola”.

Dada a simetria da cavidade em relação ao seu eixo vertical, será suficiente analisar o seu comportamento para φ0<φ<90subscript𝜑0𝜑superscript90\varphi_{0}<\varphi<90^{\circ}. As conclusões a que chegarmos serão assim igualmente válidas para 90<φ<φ0superscript90𝜑subscript𝜑0-90^{\circ}<\varphi<-\varphi_{0}.

Analisemos então em detalhe e separadamente cada um dos subtrajectos que compõem toda a trajectória descrita pelo movimento da partícula no interior da cavidade.

Subtrajecto B0B1subscript𝐵0subscript𝐵1\overrightarrow{B_{0}B_{1}}

Para φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}, temos a garantia de que a primeira reflexão ocorre na curva parabólica do lado esquerdo da cavidade, tal como pode ser facilmente deduzido a partir da ilustração (a). Para que a partícula colida na curva esquerda bastaria que o ângulo φ𝜑\varphi fosse superior a arctan(x22)𝑥22\arctan\left(\frac{x\sqrt{2}}{2}\right), grandeza que tem como majorante φ0=arctan(24)subscript𝜑024\varphi_{0}=\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{4}\right). Teremos assim o trajecto inicial da cavidade representado na ilustração (a) pelo vector B0B1subscript𝐵0subscript𝐵1\overrightarrow{B_{0}B_{1}}.

Subtrajecto B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}}

Após colidir em B1subscript𝐵1B_{1}, de acordo com a lei de reflexão, a partícula segue pelo trajecto B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}}. Demonstremos que B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}} tem o sentido ascendente — ilustração (a). Tracemos o segmento de recta A1A2¯¯subscript𝐴1subscript𝐴2\overline{A_{1}A_{2}}, paralelo ao trajecto inicial da partícula B0B1¯¯subscript𝐵0subscript𝐵1\overline{B_{0}B_{1}} e que passe pelo foco da parábola esquerda (A1subscript𝐴1A_{1}). Pela propriedade focal dessa parábola, uma partícula que tome o subtrajecto A1A2subscript𝐴1subscript𝐴2\overrightarrow{A_{1}A_{2}}, após a reflexão em A2subscript𝐴2A_{2}, seguirá numa direcção horizontal A2A3¯¯subscript𝐴2subscript𝐴3\overline{A_{2}A_{3}} (prosseguindo depois o seu trajecto, após nova reflexão, em direcção ao foco A0subscript𝐴0A_{0} da segunda parábola). Ocorrendo a primeira reflexão da partícula em B1subscript𝐵1B_{1}, um ponto da curva necessariamente posicionado abaixo de A2subscript𝐴2A_{2}, o trajecto B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}}, que seguirá de imediato, será no sentido ascendente, pois a derivada dydxd𝑦d𝑥\frac{\mathrm{d}y}{\mathrm{d}x} da curva nesse ponto (B1subscript𝐵1B_{1}) é superior à derivada em A2subscript𝐴2A_{2}, onde a trajectória que se seguia era horizontal.

Embora saibamos já que B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}} tem o sentido ascendente, ainda nada nos garante que a segunda reflexão aconteça necessariamente na parábola do lado direito. Se conseguirmos verificar que para φ=φ0𝜑subscript𝜑0\varphi=\varphi_{0} a segunda reflexão é sempre no lado direito, para qualquer que seja a posição de entrada x𝑥x, então, por maioria de razão, o mesmo sucederá para qualquer valor φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}. Esta premissa pode ser facilmente aceite com o auxílio da ilustração (a) da Figura 13: para qualquer valor de φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}, com a primeira reflexão num dado ponto B1subscript𝐵1B_{1}, é sempre possível traçarmos uma trajectória para φ=φ0𝜑subscript𝜑0\varphi=\varphi_{0} que apresente a primeira reflexão no mesmo ponto B1subscript𝐵1B_{1}; sendo a segunda reflexão na curva do lado direito para o caso φ=φ0𝜑subscript𝜑0\varphi=\varphi_{0}, necessariamente o mesmo acontecerá para a trajectória com φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}, pois o ângulo de reflexão será menor neste segundo caso, tal como se ilustra na figura. Por conseguinte, bastar-nos-há provar para φ=φ0𝜑subscript𝜑0\varphi=\varphi_{0}, que a segunda reflexão ocorre sempre na parábola do lado direito, para que o mesmo fique provado para qualquer que seja o φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}.

Refer to caption
Figura 13: Ilustrações para estudo da segunda reflexão.

Na ilustração (b) da Figura 13 encontra-se representada a trajectória até à segunda reflexão de uma partícula com ângulo de entrada φ0subscript𝜑0\varphi_{0} (B0B1subscript𝐵0subscript𝐵1\overrightarrow{B_{0}B_{1}} e B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}}). Como se depreende da ilustração, a reflexão B2subscript𝐵2B_{2} só acontecerá na curva do lado esquerdo se o ângulo α𝛼\alpha for menor que αsuperscript𝛼\alpha^{\prime}. Determinemos o valor dos dois ângulos.

Sendo (x1,y1)subscript𝑥1subscript𝑦1(x_{1},y_{1}) as coordenadas do ponto B1subscript𝐵1B_{1}, teremos tan(α)=x12y1superscript𝛼subscript𝑥12subscript𝑦1\tan(\alpha^{\prime})=\frac{-x_{1}}{\sqrt{2}-y_{1}}, logo

α=arctan((y12/41/2)2y1)=arctan((2y12)/42y1)=arctan(2+y14).superscript𝛼superscriptsubscript𝑦124122subscript𝑦12superscriptsubscript𝑦1242subscript𝑦12subscript𝑦14.\alpha^{\prime}=\arctan\left(\frac{-(y_{1}^{2}/4-1/2)}{\sqrt{2}-y_{1}}\right)=\arctan\left(\frac{(2-y_{1}^{2})/4}{\sqrt{2}-y_{1}}\right)=\arctan\left(\frac{\sqrt{2}+y_{1}}{4}\right)\text{.} (10)

Para chegarmos ao valor de α𝛼\alpha resolvemos o sistema de três equações, de incógnitas α𝛼\alpha, θ𝜃\theta e β𝛽\beta, que se retira directamente da geometria da própria figura

{α+β+θ=πβ=φ0+θarctan(12y1)+φ0+θ=π2cases𝛼𝛽𝜃𝜋𝛽subscript𝜑0𝜃12subscript𝑦1subscript𝜑0𝜃𝜋2\left\{\begin{array}[]{l}\alpha+\beta+\theta=\pi\\ \beta=\varphi_{0}+\theta\\ \arctan\left(\frac{1}{2}y_{1}\right)+\varphi_{0}+\theta=\frac{\pi}{2}\end{array}\right.

A linha tangente à curva em B1subscript𝐵1B_{1} faz com a vertical um ângulo cuja tangente tem por valor a derivada dxdyd𝑥d𝑦\frac{\mathrm{d}x}{\mathrm{d}y} da curva nesse ponto (em y=y1𝑦subscript𝑦1y=y_{1}), onde dxdy=ddy(14y212)=12yd𝑥d𝑦dd𝑦14superscript𝑦21212𝑦\frac{\mathrm{d}x}{\mathrm{d}y}=\frac{\mathrm{d}}{\mathrm{d}y}(\frac{1}{4}y^{2}-\frac{1}{2})=\frac{1}{2}y. Por isso, esse ângulo surge representado na terceira das equações pela grandeza arctan(12y1)12subscript𝑦1\arctan\left(\frac{1}{2}y_{1}\right).

Resolvendo o sistema, obtém-se para α𝛼\alpha o seguinte resultado

α=φ0+2arctan(y12)=arctan(24)+2arctan(y12).𝛼subscript𝜑02subscript𝑦12242subscript𝑦12.\alpha=\varphi_{0}+2\arctan\left(\frac{y_{1}}{2}\right)=\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{4}\right)+2\arctan\left(\frac{y_{1}}{2}\right)\text{.} (11)

Provemos finalmente que α>α𝛼superscript𝛼\alpha>\alpha^{\prime}, para qualquer que seja y1(0,2)subscript𝑦102y_{1}\in\,\left(0,\sqrt{2}\right). Das equações (11) e (10), será equivalente a provarmos

arctan(24)+2arctan(y12)>arctan(2+y14).242subscript𝑦122subscript𝑦14.\displaystyle\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{4}\right)+2\arctan\left(\frac{y_{1}}{2}\right)>\arctan\left(\frac{\sqrt{2}+y_{1}}{4}\right)\text{.}

Dado que 0<y1<20subscript𝑦120<y_{1}<\sqrt{2}, ambos os membros da inequação representam ângulos situados no primeiro quadrante do círculo trigonométrico. Por isso podemos manter a inequação para a tangente dos respectivos ângulos. Aplicando a tangente a ambos os membros, depois de efectuadas algumas simplificações trigonométricas, chegamos á seguinte relação

14422y12+16y14y122y1>2+y14,14422superscriptsubscript𝑦1216subscript𝑦14superscriptsubscript𝑦122subscript𝑦12subscript𝑦14,\frac{1}{4}\,\frac{4\sqrt{2}-\sqrt{2}y_{1}^{2}+16y_{1}}{4-y_{1}^{2}-\sqrt{2}y_{1}}>\frac{\sqrt{2}+y_{1}}{4}\text{,}

que, com simplificações algébricas adicionais, toma a forma

y1(2y1+14+y12)4y122y1>0.subscript𝑦12subscript𝑦114superscriptsubscript𝑦124superscriptsubscript𝑦122subscript𝑦10.\frac{y_{1}\left(\sqrt{2}y_{1}+14+y_{1}^{2}\right)}{4-y_{1}^{2}-\sqrt{2}y_{1}}>0\text{.}

Como 0<y1<20subscript𝑦120<y_{1}<\sqrt{2}, facilmente se constata que tanto o numerador como o denominador da fracção presente nesta última inequação são grandezas positivas. Logo α>α𝛼superscript𝛼\alpha>\alpha^{\prime}, que contraria a condição que era necessária para que a reflexão B2subscript𝐵2B_{2} ocorresse na curva do lado esquerdo, ficando assim provado, como pretendíamos, que em nenhuma situação a reflexão B2subscript𝐵2B_{2} da ilustração (b) da Figura 13 acontece na curva do lado esquerdo. Por maioria de razão, podemos então também concluir que o mesmo sucede para qualquer que seja φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}: a segunda reflexão da partícula ocorre sempre na parábola do lado direito.

Subtrajecto B2B3subscript𝐵2subscript𝐵3\overrightarrow{B_{2}B_{3}}

Demonstremos que o subtrajecto B2B3subscript𝐵2subscript𝐵3\overrightarrow{B_{2}B_{3}} tem o sentido descendente — ilustração (b) da Figura 12. Imagine-se, para o efeito, um subtrajecto A0A2subscript𝐴0subscript𝐴2\overrightarrow{A_{0}A_{2}}, paralelo a B1B2¯¯subscript𝐵1subscript𝐵2\overline{B_{1}B_{2}} e que passe no foco A0subscript𝐴0A_{0}. O subtrajecto A2A3subscript𝐴2subscript𝐴3\overrightarrow{A_{2}A_{3}} que se seguiria à reflexão em A2subscript𝐴2A_{2} — um ponto da parábola do lado direito situado abaixo de B2subscript𝐵2B_{2} — seria horizontal. Sendo a derivada da curva em A2subscript𝐴2A_{2} superior ao valor da derivada em B2subscript𝐵2B_{2}, o subtrajecto B2B3¯¯subscript𝐵2subscript𝐵3\overline{B_{2}B_{3}} será necessariamente de natureza descendente.

Ainda que já saibamos que o subtrajecto é descendente, ainda não mostrámos que esse subtrajecto em nenhuma situação conduz a partícula directamente para a saída da cavidade. Segue-se então a demonstração de que a reflexão B3subscript𝐵3B_{3} ocorre sempre numa posição superior a A0subscript𝐴0A_{0} — ilustração (c) da Figura 12. Tracemos A2B2¯¯subscript𝐴2subscript𝐵2\overline{A_{2}B_{2}}, um segmento de recta horizontal que passe no ponto de reflexão B2subscript𝐵2B_{2}. Se a partícula seguisse esse trajecto, colidiria no mesmo ponto B2subscript𝐵2B_{2}, mas dirigir-se-ia para A0subscript𝐴0A_{0}. Logo, pela lei de reflexão, B3subscript𝐵3B_{3} terá que estar acima de A0subscript𝐴0A_{0}, pois B1B2¯¯subscript𝐵1subscript𝐵2\overline{B_{1}B_{2}} faz um ângulo com o vector normal à curva em B2subscript𝐵2B_{2} menor que o formado pelo segmento A2B2¯¯subscript𝐴2subscript𝐵2\overline{A_{2}B_{2}}.

Subtrajecto B3B4subscript𝐵3subscript𝐵4\overrightarrow{B_{3}B_{4}}

Vamos agora mostrar que o subtrajecto que se segue à reflexão em B3subscript𝐵3B_{3} cruza o segmento A0A1¯¯subscript𝐴0subscript𝐴1\overline{A_{0}A_{1}}, isto é, direcciona-se para fora da cavidade — ilustração (d) da Figura 12. Tracemos então A2B3¯¯subscript𝐴2subscript𝐵3\overline{A_{2}B_{3}}, um segmento de recta horizontal que passe no ponto de reflexão B3subscript𝐵3B_{3}. Se a partícula seguisse esse trajecto, colidia em B3subscript𝐵3B_{3} e dirigir-se-ia para A1subscript𝐴1A_{1}. Logo, pela lei de reflexão, a recta onde assenta o subtrajecto B3B4subscript𝐵3subscript𝐵4\overrightarrow{B_{3}B_{4}} terá necessariamente que passar abaixo de A1subscript𝐴1A_{1}, pois B2B3¯¯subscript𝐵2subscript𝐵3\overline{B_{2}B_{3}} faz um ângulo com o vector normal à curva em B3subscript𝐵3B_{3} maior que o formado pelo segmento A2B3¯¯subscript𝐴2subscript𝐵3\overline{A_{2}B_{3}}. Mostrámos que o subtrajecto cruza o eixo dos x𝑥x num ponto situado à esquerda de A1subscript𝐴1A_{1}, mas ainda não mostrámos que ocorre à direita de A0subscript𝐴0A_{0}. Para tal, teremos que demonstrar que a terceira é a última das reflexões, isto é, que em nenhuma situação ocorre uma quarta reflexão na parábola do lado esquerdo. Segue-se essa demonstração, de todas a mais complexa e a mais demorada.

Para provarmos que a seguir à terceira reflexão não ocorre qualquer outra colisão na parábola esquerda, vamos mostrar que uma quarta colisão — representada por B4subscript𝐵4B_{4} na ilustração (a) da Figura 14 — tem sempre origem num ângulo de entrada φ𝜑\varphi inferior a φ0subscript𝜑0\varphi_{0}.

Refer to caption
Figura 14: Ilustrações para estudo de uma hipotética quarta reflexão.

Iremos assim estudar o trajecto da partícula na ordem inversa à sua progressão: começamos por admitir a existência do subtrajecto B3B4subscript𝐵3subscript𝐵4\overrightarrow{B_{3}B_{4}} da ilustração (a) e analisaremos as suas implicações em todo o trajecto precedente.

Na ilustração (a) da Figura 14 encontram-se representados os subtrajectos B2B3subscript𝐵2subscript𝐵3\overrightarrow{B_{2}B_{3}} e B3B4subscript𝐵3subscript𝐵4\overrightarrow{B_{3}B_{4}}. Comecemos por relacionar α2subscript𝛼2\alpha_{2} com α3subscript𝛼3\alpha_{3}, os ângulos que os vectores B2B3subscript𝐵2subscript𝐵3\overrightarrow{B_{2}B_{3}} e B3B4subscript𝐵3subscript𝐵4\overrightarrow{B_{3}B_{4}}, respectivamente, formam com o eixo vertical. Para o efeito resolvemos o sistema de três equações, de incógnitas α2subscript𝛼2\alpha_{2}, θ3subscript𝜃3\theta_{3} e β2subscript𝛽2\beta_{2}, que se retira da geometria da figura,333As variáveis denotadas por xisubscript𝑥𝑖x_{i} e yisubscript𝑦𝑖y_{i}, com i=1,,4𝑖1.4i=1,\ldots,4, representam as coordenadas do i𝑖i-ésimo ponto de reflexão, identificado por Bisubscript𝐵𝑖B_{i}.

{θ3=β2+α3arctan(12y3)+β2=π2α2+θ3+β2=πcasessubscript𝜃3subscript𝛽2subscript𝛼312subscript𝑦3subscript𝛽2𝜋2subscript𝛼2subscript𝜃3subscript𝛽2𝜋\left\{\begin{array}[]{l}\theta_{3}=\beta_{2}+\alpha_{3}\\ \arctan\left(\frac{1}{2}y_{3}\right)+\beta_{2}=\frac{\pi}{2}\\ \alpha_{2}+\theta_{3}+\beta_{2}=\pi\end{array}\right.

obtendo-se

α2=2arctan(y32)α3,subscript𝛼22subscript𝑦32subscript𝛼3,\alpha_{2}=2\arctan\left(\frac{y_{3}}{2}\right)-\alpha_{3}\text{,}

em que arctan(12y3)12subscript𝑦3\arctan\left(\frac{1}{2}y_{3}\right) é o ângulo que a recta tangente à curva em B3subscript𝐵3B_{3} faz com a vertical — o declive da recta tangente é dado por dxdy|y=y3=ddy(14y212)|y=y3=12y3evaluated-atd𝑥d𝑦𝑦subscript𝑦3evaluated-atdd𝑦14superscript𝑦212𝑦subscript𝑦312subscript𝑦3\frac{\mathrm{d}x}{\mathrm{d}y}\left.\right|_{y=y_{3}}=\frac{\mathrm{d}}{\mathrm{d}y}(\frac{1}{4}y^{2}-\frac{1}{2})\left.\right|_{y=y_{3}}=\frac{1}{2}y_{3}. Por sua vez, o ângulo α3subscript𝛼3\alpha_{3} pode ser expresso da seguinte forma

α3=arctan(x3x4y3y4)=arctan(14y3214y42y3y4)=arctan(y3+y44),subscript𝛼3subscript𝑥3subscript𝑥4subscript𝑦3subscript𝑦414superscriptsubscript𝑦3214superscriptsubscript𝑦42subscript𝑦3subscript𝑦4subscript𝑦3subscript𝑦44,\alpha_{3}=\arctan\left(\frac{x_{3}-x_{4}}{y_{3}-y_{4}}\right)=\arctan\left(\frac{\frac{1}{4}y_{3}^{2}-\frac{1}{4}y_{4}^{2}}{y_{3}-y_{4}}\right)=\arctan\left(\frac{y_{3}+y_{4}}{4}\right)\text{,}

o que nos permite escrever α2subscript𝛼2\alpha_{2} em função unicamente das ordenadas y3subscript𝑦3y_{3} e y4subscript𝑦4y_{4} dos extremos do vector B3B4subscript𝐵3subscript𝐵4\overrightarrow{B_{3}B_{4}},

α2=2arctan(y32)arctan(y3+y44).subscript𝛼22subscript𝑦32subscript𝑦3subscript𝑦44.\alpha_{2}=2\arctan\left(\frac{y_{3}}{2}\right)-\arctan\left(\frac{y_{3}+y_{4}}{4}\right)\text{.} (12)

Para conseguirmos provar o que pretendemos — impossibilidade de ocorrência da reflexão B4subscript𝐵4B_{4} — precisamos de encontrar um minorante para a ordenada da posição onde ocorre cada uma das quatro reflexões, ou seja, determinar {y1,y2,y3,y4}superscriptsubscript𝑦1superscriptsubscript𝑦2superscriptsubscript𝑦3superscriptsubscript𝑦4\left\{y_{1}^{*},y_{2}^{*},y_{3}^{*},y_{4}^{*}\right\}, tal que

y1y1,y2y2,y3y3,y4y4,(φ,x)(φ0,π2)×(12,12).formulae-sequencesubscript𝑦1superscriptsubscript𝑦1formulae-sequencesubscript𝑦2superscriptsubscript𝑦2formulae-sequencesubscript𝑦3superscriptsubscript𝑦3formulae-sequencesubscript𝑦4superscriptsubscript𝑦4for-all𝜑𝑥subscript𝜑0𝜋21212.y_{1}\geq y_{1}^{*},\;y_{2}\geq y_{2}^{*},\;y_{3}\geq y_{3}^{*},\;y_{4}\geq y_{4}^{*},\;\;\forall(\varphi,x)\in\left(\varphi_{0},\frac{\pi}{2}\right)\times\left(-\frac{1}{2},\frac{1}{2}\right)\text{.} (13)

Facilmente se percebe que y4=0superscriptsubscript𝑦40y_{4}^{*}=0. Vamos então determinar os outros três minorantes, começando por y2superscriptsubscript𝑦2y_{2}^{*}.

Sabemos que 0<y4<y30subscript𝑦4subscript𝑦30<y_{4}<y_{3}; logo, de (12) retiramos que

arctan(y32)<α2<2arctan(y32)arctan(y34).subscript𝑦32subscript𝛼22subscript𝑦32subscript𝑦34.\arctan\left(\frac{y_{3}}{2}\right)<\alpha_{2}<2\arctan\left(\frac{y_{3}}{2}\right)-\arctan\left(\frac{y_{3}}{4}\right)\text{.}

Atendendo a que α2subscript𝛼2\alpha_{2} se situa no primeiro quadrante do círculo trigonométrico, podemos manter as desigualdades para a tangente dos respectivos ângulos. Após algumas simplificações algébricas, obtemos

y32<tan(α2)<y3(12+y32)16.subscript𝑦32subscript𝛼2subscript𝑦312superscriptsubscript𝑦3216.\frac{y_{3}}{2}<\tan(\alpha_{2})<\frac{y_{3}\left(12+y_{3}^{2}\right)}{16}\text{.} (14)

A equação da recta que liga B2subscript𝐵2B_{2} a B3subscript𝐵3B_{3} toma a forma

x=m(yy3)+x3,𝑥𝑚𝑦subscript𝑦3subscript𝑥3x=m(y-y_{3})+x_{3},

com m=tan(α2)𝑚subscript𝛼2m=\tan(\alpha_{2}) e x3=14y3212subscript𝑥314superscriptsubscript𝑦3212x_{3}=\frac{1}{4}y_{3}^{2}-\frac{1}{2}. Como estamos interessados em encontrar a ordenada do ponto de intercepção dessa recta com a curva parabólica situada no lado direito, de equação

x=14y2+12,𝑥14superscript𝑦212,x=-\frac{1}{4}y^{2}+\frac{1}{2}\text{,}

temos de resolver a equação de segundo grau, na variável y𝑦y, que resulta da eliminação da variável x𝑥x por combinação das duas equações anteriores. A ordenada y2subscript𝑦2y_{2}, da segunda reflexão, sendo a raíz positiva da equação, toma a forma

y2=2m+4m2+4my3y32+4 .subscript𝑦22𝑚4superscript𝑚24𝑚subscript𝑦3superscriptsubscript𝑦324 .y_{2}=-2m+\sqrt{4m^{2}+4my_{3}-y_{3}^{2}+4}\text{ .}

A grandeza y2subscript𝑦2y_{2} é expressa em função de duas variáveis, m𝑚m e y3subscript𝑦3y_{3}, que como sabemos assumem apenas valores positivos. De forma a aceitarmos mais facilmente as deduções que iremos fazer no encalço de y2superscriptsubscript𝑦2y_{2}^{*}, imaginemos, sem qualquer perda de generalidade, que y3subscript𝑦3y_{3} é um valor fixo. Comecemos por mostrar que a derivada de y2subscript𝑦2y_{2} em ordem à variável m𝑚m,

dy2dm=2(2m+y34m2+4my3y32+4)4m2+4my3y32+4 ,dsubscript𝑦2d𝑚22𝑚subscript𝑦34superscript𝑚24𝑚subscript𝑦3superscriptsubscript𝑦3244superscript𝑚24𝑚subscript𝑦3superscriptsubscript𝑦324 ,\frac{\mathrm{d}y_{2}}{\mathrm{d}m}=\frac{2\left(2m+y_{3}-\sqrt{4m^{2}+4my_{3}-y_{3}^{2}+4}\right)}{\sqrt{4m^{2}+4my_{3}-y_{3}^{2}+4}}\text{ ,} (15)

tem um valor negativo para qualquer que seja o valor de y3subscript𝑦3y_{3}. Como y3<2subscript𝑦32y_{3}<\sqrt{2}, forçosamente y32<4superscriptsubscript𝑦324y_{3}^{2}<4, logo os dois radicandos (4m2+4my3y32+4)4superscript𝑚24𝑚subscript𝑦3superscriptsubscript𝑦324(4m^{2}+4my_{3}-y_{3}^{2}+4) presentes na equação (15) têm sempre um valor positivo. A restrição y3<2subscript𝑦32y_{3}<\sqrt{2} permite-nos ainda deduzir sucessivamente as seguintes desigualdades

y32<22y32<4y32<4y324m2+4my3+y32<4m2+4my3+4y32superscriptsubscript𝑦3222superscriptsubscript𝑦324superscriptsubscript𝑦324superscriptsubscript𝑦324superscript𝑚24𝑚subscript𝑦3superscriptsubscript𝑦324superscript𝑚24𝑚subscript𝑦34superscriptsubscript𝑦32\displaystyle y_{3}^{2}<2\Leftrightarrow 2y_{3}^{2}<4\Leftrightarrow y_{3}^{2}<4-y_{3}^{2}\Leftrightarrow 4m^{2}+4my_{3}+y_{3}^{2}<4m^{2}+4my_{3}+4-y_{3}^{2}
(2m+y3)2<4m2+4my3y32+42m+y3<4m2+4my3y32+4 .\displaystyle\Leftrightarrow\left(2m+y_{3}\right)^{2}<4m^{2}+4my_{3}-y_{3}^{2}+4\Leftrightarrow 2m+y_{3}<\sqrt{4m^{2}+4my_{3}-y_{3}^{2}+4}\text{ .}

Esta última desigualdade confirma que dy2dm<0dsubscript𝑦2d𝑚0\frac{\mathrm{d}y_{2}}{\mathrm{d}m}<0, para qualquer que seja o y3subscript𝑦3y_{3}. Assim, o valor y2subscript𝑦2y_{2} é tanto menor quanto maior for o valor de m𝑚m. Como se depreende de (14), m<M=y3(12+y32)16𝑚𝑀subscript𝑦312superscriptsubscript𝑦3216m<M=\frac{y_{3}\left(12+y_{3}^{2}\right)}{16}, logo

y2>2M+4M2+4My3y32+4 .subscript𝑦22𝑀4superscript𝑀24𝑀subscript𝑦3superscriptsubscript𝑦324 .y_{2}>-2M+\sqrt{4M^{2}+4My_{3}-y_{3}^{2}+4}\text{ .}

Substituindo M𝑀M, obtém-se, após algumas simplificações,

y2>f(y3), com f(y3)=32y318y33+18272y32+40y34+y36+256 .formulae-sequencesubscript𝑦2𝑓subscript𝑦3 com 𝑓subscript𝑦332subscript𝑦318superscriptsubscript𝑦3318272superscriptsubscript𝑦3240superscriptsubscript𝑦34superscriptsubscript𝑦36256 .y_{2}>f(y_{3}),\text{ com }f(y_{3})=-\frac{3}{2}y_{3}-\frac{1}{8}y_{3}^{3}+\frac{1}{8}\sqrt{272y_{3}^{2}+40y_{3}^{4}+y_{3}^{6}+256}\text{ .} (16)

Para encontrarmos o valor mínimo de f(y3)𝑓subscript𝑦3f(y_{3}) começamos por derivar,

ddy3f(y3)=272y3+80y33+3y35(12+3y32)272y32+40y34+y36+2568272y32+40y34+y36+256.ddsubscript𝑦3𝑓subscript𝑦3272subscript𝑦380superscriptsubscript𝑦333superscriptsubscript𝑦35123superscriptsubscript𝑦32272superscriptsubscript𝑦3240superscriptsubscript𝑦34superscriptsubscript𝑦362568272superscriptsubscript𝑦3240superscriptsubscript𝑦34superscriptsubscript𝑦36256.\frac{\mathrm{d}}{\mathrm{d}y_{3}}f(y_{3})=\frac{272y_{3}+80y_{3}^{3}+3y_{3}^{5}-(12+3y_{3}^{2})\sqrt{272y_{3}^{2}+40y_{3}^{4}+y_{3}^{6}+256}}{8\sqrt{272y_{3}^{2}+40y_{3}^{4}+y_{3}^{6}+256}}\text{.}

Sendo os radicandos claramente positivos, apenas temos que nos preocupar com o numerador da fracção. Encontrarmos as raízes da função derivada ddy3f(y3)ddsubscript𝑦3𝑓subscript𝑦3\frac{\mathrm{d}}{\mathrm{d}y_{3}}f(y_{3}) equivale por isso a resolvermos a equação

(272y3+80y33+3y35)2=(12+3y32)2(272y32+40y34+y36+256),superscript272subscript𝑦380superscriptsubscript𝑦333superscriptsubscript𝑦352superscript123superscriptsubscript𝑦322272superscriptsubscript𝑦3240superscriptsubscript𝑦34superscriptsubscript𝑦36256,\left(272y_{3}+80y_{3}^{3}+3y_{3}^{5}\right)^{2}=\left(12+3y_{3}^{2}\right)^{2}\left(272y_{3}^{2}+40y_{3}^{4}+y_{3}^{6}+256\right)\text{,}

que pode ser simplificada na seguinte:

23041024y32992y34160y363y38=0.23041024superscriptsubscript𝑦32992superscriptsubscript𝑦34160superscriptsubscript𝑦363superscriptsubscript𝑦380.2304-1024y_{3}^{2}-992y_{3}^{4}-160y_{3}^{6}-3y_{3}^{8}=0\text{.}

Esta equação polinomial tem uma única raíz real positiva, de valor

y~3=2351+6791.017,subscript~𝑦32351679similar-to-or-equals1017,\tilde{y}_{3}=\frac{2}{3}\sqrt{-51+6\sqrt{79}}\simeq 1.017\text{,}

significando que f(y3)𝑓subscript𝑦3f(y_{3}) tem um mínimo global em y~3subscript~𝑦3\tilde{y}_{3}, pois, como mostramos a seguir, d2dy32f(y3)>0superscriptd2dsuperscriptsubscript𝑦32𝑓subscript𝑦30\frac{\mathrm{d}^{2}}{\mathrm{d}y_{3}^{2}}f(y_{3})>0 e a função não apresenta outros pontos de estacionaridade.

Mostremos então que d2dy32f(y3)>0superscriptd2dsuperscriptsubscript𝑦32𝑓subscript𝑦30\frac{\mathrm{d}^{2}}{\mathrm{d}y_{3}^{2}}f(y_{3})>0, com

d2dy32f(y3)=18240y34+2960y36+180y38+3y310+34816+30720y324(272y32+40y34+y36+256)32superscriptd2dsuperscriptsubscript𝑦32𝑓subscript𝑦318240superscriptsubscript𝑦342960superscriptsubscript𝑦36180superscriptsubscript𝑦383superscriptsubscript𝑦3103481630720superscriptsubscript𝑦324superscript272superscriptsubscript𝑦3240superscriptsubscript𝑦34superscriptsubscript𝑦3625632\displaystyle\frac{\mathrm{d}^{2}}{\mathrm{d}y_{3}^{2}}f(y_{3})=\frac{18240y_{3}^{4}+2960y_{3}^{6}+180y_{3}^{8}+3y_{3}^{10}+34816+30720y_{3}^{2}}{4(272y_{3}^{2}+40y_{3}^{4}+y_{3}^{6}+256)^{\frac{3}{2}}}
(816y33+120y35+3y37+768y3)272y32+40y34+y36+2564(272y32+40y34+y36+256)32.816superscriptsubscript𝑦33120superscriptsubscript𝑦353superscriptsubscript𝑦37768subscript𝑦3272superscriptsubscript𝑦3240superscriptsubscript𝑦34superscriptsubscript𝑦362564superscript272superscriptsubscript𝑦3240superscriptsubscript𝑦34superscriptsubscript𝑦3625632.\displaystyle-\frac{(816y_{3}^{3}+120y_{3}^{5}+3y_{3}^{7}+768y_{3})\sqrt{272y_{3}^{2}+40y_{3}^{4}+y_{3}^{6}+256}}{4(272y_{3}^{2}+40y_{3}^{4}+y_{3}^{6}+256)^{\frac{3}{2}}}\text{.} (17)

Mostrarmos que d2dy32f(y3)>0superscriptd2dsuperscriptsubscript𝑦32𝑓subscript𝑦30\frac{\mathrm{d}^{2}}{\mathrm{d}y_{3}^{2}}f(y_{3})>0 equivale a mostrarmos que o numerador da primeira fracção é superior ao numerador da segunda, em (4.1). Depois de elevarmos os dois termos ao quadrado, chegamos à inequação

3y316+36y314+9464y312+191616y310+1514112y38+5817344y363superscriptsubscript𝑦31636superscriptsubscript𝑦3149464superscriptsubscript𝑦312191616superscriptsubscript𝑦3101514112superscriptsubscript𝑦385817344superscriptsubscript𝑦36\displaystyle-3y_{3}^{16}+36y_{3}^{14}+9464y_{3}^{12}+191616y_{3}^{10}+1514112y_{3}^{8}+5817344y_{3}^{6}
+13535232y34+15532032y32+9469952>0.13535232superscriptsubscript𝑦3415532032superscriptsubscript𝑦3294699520.\displaystyle+13535232y_{3}^{4}+15532032y_{3}^{2}+9469952>0\text{.}

Facilmente comprovamos a veracidade desta relação, dado que temos um único termo negativo (3y3163superscriptsubscript𝑦316-3y_{3}^{16}) que, por exemplo, é inferior em valor absoluto ao termo constante (946995294699529469952),

y3<23y316<768<9469952.subscript𝑦323superscriptsubscript𝑦3167689469952.y_{3}<\sqrt{2}\Rightarrow 3y_{3}^{16}<768<9469952\text{.}

Fica assim completa a demonstração de que f(y3)𝑓subscript𝑦3f(y_{3}) tem um mínimo global em y~3subscript~𝑦3\tilde{y}_{3}, de valor

f(y~3)=8951+679.𝑓subscript~𝑦38951679.f(\tilde{y}_{3})=\frac{8}{9}\sqrt{-51+6\sqrt{79}}\text{.}

Portanto, de (16), concluímos finalmente que

y2>y2=8951+6791.356.subscript𝑦2superscriptsubscript𝑦28951679similar-to-or-equals1356.y_{2}>y_{2}^{*}=\frac{8}{9}\sqrt{-51+6\sqrt{79}}\simeq 1.356\text{.} (18)

Está então encontrado um minorante para a altura da segunda reflexão B2subscript𝐵2B_{2} (ilustração (a) da Figura 14). Determinemos agora y3superscriptsubscript𝑦3y_{3}^{*}, um minorante para a altura da terceira reflexão B3subscript𝐵3B_{3}.

Para que a reflexão B2subscript𝐵2B_{2} ocorra na parábola do lado direito é necessário que o ângulo α2subscript𝛼2\alpha_{2} seja maior que o ângulo formado entre o eixo vertical e o segmento de recta que une B3subscript𝐵3B_{3} com o vértice superior da cavidade,

α2>arctan(0x32y3)=arctan(14y32+122y3)=arctan(2+y34).subscript𝛼20subscript𝑥32subscript𝑦314superscriptsubscript𝑦32122subscript𝑦32subscript𝑦34.\alpha_{2}>\arctan\left(\frac{0-x_{3}}{\sqrt{2}-y_{3}}\right)=\arctan\left(\frac{-\frac{1}{4}y_{3}^{2}+\frac{1}{2}}{\sqrt{2}-y_{3}}\right)=\arctan\left(\frac{\sqrt{2}+y_{3}}{4}\right)\text{.} (19)

Esta inequação, conjuntamente com a segunda relação de desigualdade de (14), permite-nos escrever

2+y34<tan(α2)<y3(12+y32)162+y34<y3(12+y32)16,2subscript𝑦34subscript𝛼2subscript𝑦312superscriptsubscript𝑦32162subscript𝑦34subscript𝑦312superscriptsubscript𝑦3216,\frac{\sqrt{2}+y_{3}}{4}<\tan(\alpha_{2})<\frac{y_{3}\left(12+y_{3}^{2}\right)}{16}\Rightarrow\frac{\sqrt{2}+y_{3}}{4}<\frac{y_{3}\left(12+y_{3}^{2}\right)}{16}\text{,}

de que resulta a inequação

y33+8y3+42>0.superscriptsubscript𝑦338subscript𝑦3420.y_{3}^{3}+8y_{3}+4\sqrt{2}>0\text{.}

Como o polinómio da inequação tem derivada positiva e admite uma única raíz real, concluímos de imediato que a mesma constituiu um limite inferior para y3subscript𝑦3y_{3}, sendo esse limite

y3=13(542+6546)138(542+6546)130.670.superscriptsubscript𝑦313superscript5426546138superscript542654613similar-to-or-equals0670.y_{3}^{*}=\frac{1}{3}\left(54\sqrt{2}+6\sqrt{546}\right)^{\frac{1}{3}}-\frac{8}{\left(54\sqrt{2}+6\sqrt{546}\right)^{\frac{1}{3}}}\simeq 0.670\text{.} (20)

Resta-nos determinar y1superscriptsubscript𝑦1y_{1}^{*}, um minorante para o valor de y1subscript𝑦1y_{1} — ordenada onde ocorre a primeira reflexão. Para o efeito recorremos à ilustração (b) da Figura 14, que nos dá uma representação mais pormenorizada da parte da cavidade onde ocorrem as duas primeiras reflexões, B1subscript𝐵1B_{1} e B2subscript𝐵2B_{2}. O esquema apresentado foi construído contando que a primeira reflexão (B1subscript𝐵1B_{1}) ocorre num ponto mais elevado do que o da terceira reflexão (B3subscript𝐵3B_{3}). É de facto essa a situação. Isso mesmo pode ser comprovado mostrando que α2subscript𝛼2\alpha_{2} é sempre menor que o ângulo formado entre o vector normal à curva em B2subscript𝐵2B_{2} e o eixo vertical, ou seja

α2<π2arctan(12y2).subscript𝛼2𝜋212subscript𝑦2.\alpha_{2}<\frac{\pi}{2}-\arctan\left(\frac{1}{2}y_{2}\right)\text{.}

Pegando, em (14), no limite superior de tan(α2)subscript𝛼2\tan(\alpha_{2}) e tendo presente que y<2𝑦2y<\sqrt{2}, construímos a seguinte sequência de desigualdades que comprova o que se pretende:

α2<arctan(y3(12+y32)16)<arctan(728)51.06<π2arctan(22)54.74<π2arctan(12y2).subscript𝛼2subscript𝑦312superscriptsubscript𝑦3216superscript728similar-to-or-equalsabsentsuperscript5106superscript𝜋222similar-to-or-equalsabsentsuperscript5474𝜋212subscript𝑦2.\alpha_{2}<\arctan\left(\frac{y_{3}\left(12+y_{3}^{2}\right)}{16}\right)<\overbrace{\arctan\left(\frac{7\sqrt{2}}{8}\right)}^{\simeq 51.06^{\circ}}<\overbrace{\frac{\pi}{2}-\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{2}\right)}^{\simeq 54.74^{\circ}}<\frac{\pi}{2}-\arctan\left(\frac{1}{2}y_{2}\right)\text{.}

Tentemos agora encontrar y1superscriptsubscript𝑦1y_{1}^{*}. Podemos definir y1superscriptsubscript𝑦1y_{1}^{*} como sendo a ordenada do ponto de intercepção da parábola esquerda com a semi-recta de origem no ponto B2subscript𝐵2B_{2}, posicionado o mais abaixo possível (y2=y2subscript𝑦2superscriptsubscript𝑦2y_{2}=y_{2}^{*}), e com declive igual ao maior valor permitido para o declive da trajectória que antecede B2subscript𝐵2B_{2} (B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}}). A equação da recta que liga B1subscript𝐵1B_{1} a B2subscript𝐵2B_{2} toma a forma

x=m(yy2)+x2,𝑥𝑚𝑦subscript𝑦2subscript𝑥2,x=m(y-y_{2})+x_{2}\text{,}

com m=tan(α1)𝑚subscript𝛼1m=\tan(\alpha_{1}) e x2=14y22+12subscript𝑥214superscriptsubscript𝑦2212x_{2}=-\frac{1}{4}y_{2}^{2}+\frac{1}{2}. Como estamos interessados em encontrar o ponto de intersecção dessa recta com a curva parabólica situada no lado esquerdo, de equação

x=14y212 ,𝑥14superscript𝑦212 ,x=\frac{1}{4}y^{2}-\frac{1}{2}\text{ ,}

teremos que resolver a equação de segundo grau, na variável y𝑦y, que resulta da eliminação da variável x𝑥x por combinação das duas equações anteriores. Embora tenha duas raízes reais positivas, apenas estamos interessados na menor delas, que toma a forma

y1=2m4m24my2y22+4 .subscript𝑦12𝑚4superscript𝑚24𝑚subscript𝑦2superscriptsubscript𝑦224 .y_{1}=2m-\sqrt{4m^{2}-4my_{2}-y_{2}^{2}+4}\text{ .} (21)

Como dissemos, se fizermos y2=y2subscript𝑦2superscriptsubscript𝑦2y_{2}=y_{2}^{*} e impusermos o declive máximo para a recta, que nas equações anteriores equivale a considerarmos m𝑚m mínimo, obtemos y1=y1subscript𝑦1superscriptsubscript𝑦1y_{1}=y_{1}^{*}. Sendo m=tan(α1)𝑚subscript𝛼1m=\tan(\alpha_{1}), devemos determinar o valor de α1subscript𝛼1\alpha_{1} através do sistema de equações

{α1=2θ2+α2arctan(12y2)+α2+θ2=π2casessubscript𝛼12subscript𝜃2subscript𝛼212subscript𝑦2subscript𝛼2subscript𝜃2𝜋2\left\{\begin{array}[]{l}\alpha_{1}=2\theta_{2}+\alpha_{2}\\ \arctan\left(\frac{1}{2}y_{2}\right)+\alpha_{2}+\theta_{2}=\frac{\pi}{2}\end{array}\right.

que se retira da geometria da ilustração (b) da Figura 14. Obtem-se

α1=π2arctan(y22)α2.subscript𝛼1𝜋2subscript𝑦22subscript𝛼2.\alpha_{1}=\pi-2\arctan\left(\frac{y_{2}}{2}\right)-\alpha_{2}\text{.} (22)

Desta última igualdade, de (14), e dado que y2<2subscript𝑦22y_{2}<\sqrt{2} e y3<2subscript𝑦32y_{3}<\sqrt{2}, deduzimos que

α1>π2arctan(y22)arctan(y3(12+y32)16)>π2arctan(22)arctan(782),subscript𝛼1𝜋2subscript𝑦22subscript𝑦312superscriptsubscript𝑦3216𝜋222782,\alpha_{1}>\pi-2\arctan\left(\frac{y_{2}}{2}\right)-\arctan\left(\frac{y_{3}\left(12+y_{3}^{2}\right)}{16}\right)>\pi-2\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{2}\right)-\arctan\left(\frac{7}{8}\sqrt{2}\right)\text{,}

logo,

m=tan(α1)>tan(π2arctan(22)arctan(782))=23202.𝑚subscript𝛼1𝜋22278223202.m=\tan(\alpha_{1})>\tan\left(\pi-2\arctan\left(\frac{\sqrt{2}}{2}\right)-\arctan\left(\frac{7}{8}\sqrt{2}\right)\right)=\frac{23}{20}\sqrt{2}\text{.}

Se em (21) fizermos m=23202𝑚23202m=\frac{23}{20}\sqrt{2} e y2=y2subscript𝑦2superscriptsubscript𝑦2y_{2}=y_{2}^{*} obtemos então o limite inferior para y1subscript𝑦1y_{1}

y1=2310219044449833120251+67938400791.274.superscriptsubscript𝑦123102190444498331202516793840079similar-to-or-equals1274.y_{1}^{*}=\frac{23}{10}\sqrt{2}-\frac{1}{90}\sqrt{444498-33120\sqrt{2}\sqrt{-51+6\sqrt{79}}-38400\sqrt{79}}\simeq 1.274\text{.} (23)

Resumindo,

(y1,y2,y3,y4)(1.274,1.356,0.670,0).similar-to-or-equalssuperscriptsubscript𝑦1superscriptsubscript𝑦2superscriptsubscript𝑦3superscriptsubscript𝑦41274.1356.0670.0.(y_{1}^{*},y_{2}^{*},y_{3}^{*},y_{4}^{*})\simeq(1.274,1.356,0.670,0)\text{.}

Com o auxílio da ilustração (b) da Figura 14 vamos, por fim, analisar o ângulo de entrada φ𝜑\varphi da partícula. Com o sistema de equações (12y1=dxdy|y=y112subscript𝑦1evaluated-atd𝑥d𝑦𝑦subscript𝑦1\frac{1}{2}y_{1}=\frac{\mathrm{d}x}{\mathrm{d}y}\left.\right|_{y=y_{1}})

{2θ1+φ+α1=πarctan(12y1)+φ+θ1=π2cases2subscript𝜃1𝜑subscript𝛼1𝜋12subscript𝑦1𝜑subscript𝜃1𝜋2\left\{\begin{array}[]{l}2\theta_{1}+\varphi+\alpha_{1}=\pi\\ \arctan\left(\frac{1}{2}y_{1}\right)+\varphi+\theta_{1}=\frac{\pi}{2}\end{array}\right.

e com as igualdades (22) e (12) obtemos, sucessivamente,

φ𝜑\displaystyle\varphi =\displaystyle= α12arctan(y12),subscript𝛼12subscript𝑦12,\displaystyle\alpha_{1}-2\arctan\left(\frac{y_{1}}{2}\right)\text{,}
φ𝜑\displaystyle\varphi =\displaystyle= π2arctan(y12)2arctan(y22)α2,𝜋2subscript𝑦122subscript𝑦22subscript𝛼2,\displaystyle\pi-2\arctan\left(\frac{y_{1}}{2}\right)-2\arctan\left(\frac{y_{2}}{2}\right)-\alpha_{2}\text{,} (24)
φ𝜑\displaystyle\varphi =\displaystyle= π2arctan(y12)2arctan(y22)2arctan(y32)+arctan(y3+y44).𝜋2subscript𝑦122subscript𝑦222subscript𝑦32subscript𝑦3subscript𝑦44.\displaystyle\pi-2\arctan\left(\frac{y_{1}}{2}\right)-2\arctan\left(\frac{y_{2}}{2}\right)-2\arctan\left(\frac{y_{3}}{2}\right)+\arctan\left(\frac{y_{3}+y_{4}}{4}\right)\text{.}\hskip 28.45274pt

Pegando em (24), de (19) deduzimos que

φ<π2arctan(y12)2arctan(y22)arctan(2+y34).𝜑𝜋2subscript𝑦122subscript𝑦222subscript𝑦34.\varphi<\pi-2\arctan\left(\frac{y_{1}}{2}\right)-2\arctan\left(\frac{y_{2}}{2}\right)-\arctan\left(\frac{\sqrt{2}+y_{3}}{4}\right)\text{.}

De acordo com as definições (13) e com os valores encontrados em (18), (20) e (23), podemos concluir que

φ<π2arctan(y12)2arctan(y22)arctan(2+y34)19.18,𝜑𝜋2superscriptsubscript𝑦122superscriptsubscript𝑦222superscriptsubscript𝑦34similar-to-or-equalssuperscript1918,\varphi<\pi-2\arctan\left(\frac{y_{1}^{*}}{2}\right)-2\arctan\left(\frac{y_{2}^{*}}{2}\right)-\arctan\left(\frac{\sqrt{2}+y_{3}^{*}}{4}\right)\simeq 19.18^{\circ}\text{,}

ou seja

φ<φ019.47.𝜑subscript𝜑0similar-to-or-equalssuperscript1947.\varphi<\varphi_{0}\simeq 19.47^{\circ}\text{.}

Com isto podemos finalmente concluir que é impossível termos uma quarta reflexão, pois, a acontecer, a partícula teria que ter entrado na cavidade com um ângulo φ<φ0𝜑subscript𝜑0\varphi<\varphi_{0}, como acabámos de mostrar — algo que contraria a nossa imposição inicial, φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}. Como a cavidade apresenta simetria em relação ao seu eixo vertical central, a conclusão a que chegamos é igualmente válida para φ<φ0𝜑subscript𝜑0\varphi<-\varphi_{0}, ficando assim provado o que pretendíamos (Teorema 1):

Para |φ|>φ0𝜑subscript𝜑0\left|\varphi\right|>\varphi_{0}, ocorrem sempre três reflexões, alternadamente nas faces esquerda e direita da cavidade Dupla Parábola.

4.2 Número mínimo de reflexões

Teorema 2.

Qualquer partícula que entre na cavidade Dupla Parábola descreve uma trajectória com um mínimo de 3 reflexões.

Para |φ|>φ0𝜑subscript𝜑0\left|\varphi\right|>\varphi_{0} o postulado está já demonstrado, porque sabemos, da prova anterior, que nesse caso as trajectórias são sempre de 3 reflexões. Faltará então demonstrar para φ0<φ<φ0subscript𝜑0𝜑subscript𝜑0-\varphi_{0}<\varphi<\varphi_{0}, mas dada a simetria da cavidade apenas teremos necessidade de provar a veracidade da afirmação para o intervalo 0<φ<φ00𝜑subscript𝜑00<\varphi<\varphi_{0}.

Basearemos a nossa demonstração em algumas das deduções que fizemos na prova anterior (§4.1), sendo-nos especialmente úteis as ilustrações da Figura 12. Assumiremos ainda como verdadeira a seguinte premissa: “Se a 2ª reflexão acontecer na mesma face da cavidade onde ocorreu a 1ª reflexão, haverá necessariamente uma terceira reflexão”. Dispensamo-nos de provar este princípio por nos parecer evidente.

Para 0<φ<φ00𝜑subscript𝜑00<\varphi<\varphi_{0} a primeira reflexão tanto pode ocorrer na face do lado esquerdo como na do lado direito. Analisemos cada um dos casos em separado.

1ª reflexão no lado esquerdo

Sendo 0<φ<φ00𝜑subscript𝜑00<\varphi<\varphi_{0} poderemos ter as duas primeiras reflexões na face do lado esquerdo, estando neste caso garantida, como assumimos atrás, a existência de 3 ou mais reflexões. Caso contrário, sendo a segunda reflexão no lado direito, uma parte inicial da trajectória poderá ser sempre representada pelas primeiras três ilustrações da Figura 12 (assumindo 0<φ<φ00𝜑subscript𝜑00<\varphi<\varphi_{0}), as quais garantem, também nesse caso, a existência de uma terceira reflexão B3subscript𝐵3B_{3}. Para provarmos o que acabámos de dizer bastar-nos-á demonstrar a natureza ascendente do subtrajecto B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}}.

Fixemos na parábola do lado esquerdo (ilustração (a) da Figura 12) o primeiro ponto de reflexão B1subscript𝐵1B_{1}. Para qualquer que seja B1subscript𝐵1B_{1} é sempre possível traçarmos um subtrajecto inicial B0B1subscript𝐵0subscript𝐵1\overrightarrow{B_{0}B_{1}} com origem num ângulo de entrada φ>φ0𝜑subscript𝜑0\varphi>\varphi_{0}. Como em §4.1 (pág. 12) mostrámos ser ascendente o subtrajecto B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}} que se seguiria, o mesmo necessariamente sucederá para qualquer que seja 0<φ<φ00𝜑subscript𝜑00<\varphi<\varphi_{0}, dado que neste caso B0B1subscript𝐵0subscript𝐵1\overrightarrow{B_{0}B_{1}} apresentará um declive negativo mais acentuado. Uma vez que em §4.1 (pág. 13) caracterizámos B2B3subscript𝐵2subscript𝐵3\overrightarrow{B_{2}B_{3}} apenas com base na natureza ascendente do subtrajecto precedente B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}}, as conclusões a que chegámos para B2B3subscript𝐵2subscript𝐵3\overrightarrow{B_{2}B_{3}} são igualmente válidas para 0<φ<φ00𝜑subscript𝜑00<\varphi<\varphi_{0}.

1ª reflexão no lado direito

Também neste caso poderemos ter as duas primeiras reflexões na face do lado direito, ficando garantida a existência de 3 ou mais reflexões. Se isso não acontecer, teremos necessariamente uma trajectória com o aspecto da trajectória B0B1B2B3subscript𝐵0subscript𝐵1subscript𝐵2subscript𝐵3B_{0}B_{1}B_{2}B_{3} ilustrada no esquema da Figura 15, onde surgem igualmente representados dois trajectos auxiliares (a tracejado), A0B1A2subscript𝐴0subscript𝐵1subscript𝐴2A_{0}B_{1}A_{2} e A1B2A3subscript𝐴1subscript𝐵2subscript𝐴3A_{1}B_{2}A_{3}, que, ao passarem pelos focos das parábolas, apresentam o subtrajecto posterior à reflexão horizontal.

Refer to caption
Figura 15: Esquema ilustrativo para estudo da trajectória de partículas com ângulos de entrada 0<φ<φ00𝜑subscript𝜑00<\varphi<\varphi_{0}.

Tendo por base as leis de reflexão, podemos sucintamente deduzir o seguinte: como o ângulo A0B1A2^^subscript𝐴0subscript𝐵1subscript𝐴2\widehat{A_{0}B_{1}A_{2}} tem que ser interior ao ângulo B0B1B2^^subscript𝐵0subscript𝐵1subscript𝐵2\widehat{B_{0}B_{1}B_{2}}, concluímos que B1B2subscript𝐵1subscript𝐵2\overrightarrow{B_{1}B_{2}} é de natureza ascendente; como B1B2B3^^subscript𝐵1subscript𝐵2subscript𝐵3\widehat{B_{1}B_{2}B_{3}} é necessariamente um ângulo interior a A1B2A3^^subscript𝐴1subscript𝐵2subscript𝐴3\widehat{A_{1}B_{2}A_{3}}, concluímos que B3subscript𝐵3B_{3} tem que se situar entre A1subscript𝐴1A_{1} e A3subscript𝐴3A_{3}, o que garante a existência da terceira reflexão. Fica assim concluída a demonstração do Teorema 2.

5 Outras possíveis aplicações

Para além de maximizar a resistência newtoniana, é entusiasmante verificar que as potencialidades da forma Dupla Parábola por nós encontrada, podem vir a revelar-se também muito interessantes noutros domínios de interesse prático.

Se revestirmos a parte interior da cavidade Dupla Parábola com uma “superfície” polida, a trajectória da luz no seu interior será descrita pelos princípios da óptica geométrica, designadamente propagação rectilínea da luz, leis de reflexão e reversibilidade da luz. Assim, os modelos computacionais que foram por nós desenvolvidos para simular a dinâmica de bilhar no interior da cada uma das formas estudas (onde se consideraram colisões de partículas perfeitamente elásticas) são igualmente válidos quando o problema passa a ser de natureza óptica. Olhemos estão para a forma 2D por nós encontrada nessa nova perspectiva.

Dadas as características de reflexão que apresenta a forma Dupla Parábola, rapidamente vislumbramos-lhe uma propensão natural para poder vir a ser usada com grande sucesso no desenho de retrorreflectores. Retrorreflectores são dispositivos que enviam a luz ou outra radiação incidente de volta à fonte emissora. Idealmente, o retrorreflector deve desempenhar essa função independentemente do ângulo de incidência, algo que não acontece com os dispositivos existentes. Nesses dispositivos a superfície retrorreflectora é composta por uma unidade óptica de reflexão ou, na maior parte dos casos, por um conjunto considerável desses elementos em tamanho reduzido. Esses elementos ópticos individuais — responsáveis pela inversão do fluxo incidente — podem ser pequenos elementos esféricos com propriedades ópticas adequadas, mas o mais habitual é serem pequenos cantos cúbicos retrorreflectores — cantos formados por três espelhos mutuamente perpendiculares —, que como se sabe apenas invertem a radiação para determinados ângulos de incidência.

Como vimos, a Dupla Parábola, embora não garanta a inversão perfeita de toda a radiação incidente, desempenha essa função com grande sucesso (os pontos (φ,φ+)𝜑superscript𝜑(\varphi,\varphi^{+}) concentram-se nas proximidades da diagonal φ=φ+𝜑superscript𝜑\varphi=\varphi^{+}, Figura 8): garante uma grande aproximação das direcções dos fluxos incidente e reflectido para uma parte significativa dos ângulos de incidência, e mesmo para os restantes não permite que o desfazamento atinja valores elevados. Antevemos, por isso, bastante promissora a sua possível utilização na definição de novas geometrias para os elementos ópticos que compõem as superfícies retrorreflectoras.

Os dispositivos retrorreflectores, embora sejam usados nas mais diversificadas áreas tecnológicas, como é o caso por exemplo das comunicações ópticas em espaço aberto, é na indústria automóvel e sinalização rodoviária que, sendo utilizados de forma massiva, nos apercebemos mais facilmente da sua utilidade. Vejamos, na secção que se segue, uma forma possível de tirarmos partido do nosso resultado.

Retrorreflectores na indústria automóvel e sinalização rodoviária

Hoje em dia todas as principais vias de circulação automóvel dispõem de dispositivos retrorreflectores, complementares à sinalização horizontal, instalados fora da superfície pavimentada e a uma altura predeterminada — designados delineadores —, com o objectivo de sinalizar de forma clara a geometria da via, mesmo perante condições de visibilidade reduzida como é o caso da condução nocturna ou sob condições climatéricas adversas.

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Figura 16: Exemplo de retrorreflector do tipo delineador (imagem retirada do sítio Web da BRISA — Auto-estradas de Portugal).

Cientes do importante papel que esse tipo de sinalização desempenha no aumento dos níveis de segurança rodoviária, tentamos, com base nos resultados obtidos, propor um esquema diferente de dispositivos retrorreflectores que, reflectindo a luz de forma mais eficiente, apresentarão certamente coeficientes de intensidade luminosa mais elevados (indicador normalmente usado para medir o desempenho dos retrorreflectores).

Embora a forma por nós encontrada tenha existência no espaço bidimensional, é possível, para determinadas aplicações práticas, construir a partir dela formas 3D que mantenham as propriedades ópticas adequadas. Vejamos o caso dos retrorreflectores usados como delineadores nas vias de comunicação. Como a altura a que se encontram do pavimento, tanto os olhos do condutor (ponto de observação) como os faróis do veículo (fonte de luz), é sensivelmente a mesma para a generalidade dos automóveis, pode-se facilmente projectar um reflector que garanta que o raio de luz reflectido, quando projectado no plano vertical que une o veículo ao reflector, passe ao nível do ponto de observação. Esse efeito é conseguido com espelhos de superfície vertical colocados a uma altura equivalente à média das alturas a que se encontram o ponto de observação e a fonte de luz — aproximadamente 757575 cm acima do pavimento da faixa de rodagem —, tal como ilustrado na figura 17.

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Figura 17: Esquema ilustrativo da luz reflectida por dispositivos com superfície reflectora vertical.

Assim, a parte da geometria da superfície reflectora que falta ainda definir é neste caso a forma da sua projecção no plano horizontal. Será essa forma que determinará o grau de aproximação dos raios de luz incidente e reflectido, quando projectados num plano horizontal, e que idealmente deverão ter a mesma direcção — ver figura 18.

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Figura 18: Esquema ilustrativo da luz reflectida por retrorreflectores ideais.

Tratando-se de uma curva 2D, a forma Dupla Parábola será seguramente a melhor escolha, pois é aquela que em nosso entender apresenta melhor desempenho — ver figura 19.

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Figura 19: Esquema ilustrativo da luz reflectida pelo retrorreflector proposto.

Assim, a superfície retrorreflectora 3D que propomos é a parte interior da superfície varrida pelo deslocamento vertical do contorno da nossa forma 2D contida num plano horizontal, tal como se ilustra na figura 20.

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Figura 20: Forma 3D da superfície proposta para elemento retrorreflector.

Um inovador dispositivo retrorreflector pode então ser construído integrando o elemento proposto como unidade única de reflexão ou um conjunto desses elementos distribuídos numa área rectangular segundo uma disposição matricial.

Se se entender que também no plano vertical o dispositivo deve reflectir a luz de forma a ter a mesma direcção da luz incidente, a solução passará por se introduzir uma pequena alteração na forma do elemento retrorreflector: para além da superfície vertical, a forma passará a ser delimitada no topo e na sua base por duas superfícies planas horizontais. Sabemos que, com esta configuração, o sentido da luz é invertido sempre que ocorra um número ímpar de reflexões nas superfícies horizontais — lados superior e inferior. Isto garante-nos que uma boa parte da luz reflectida toma efectivamente a direcção da luz incidente. Em [7] foram já realizadas algumas simulações numéricas para o caso 3D, tendo os resultados apontado para o bom desempenho desta configuração — trata-se da forma 3D de maior resistência que se conseguiu obter.

O mesmo tipo de solução pode ser usado para os retrorreflectores instalados na parte posterior das viaturas. Também neste caso o reflector encontra-se normalmente a uma altura intermédia entre a fonte de luz e o ponto de observação, como se ilustra na figura 21.

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Figura 21: Esquema da reflexão de luz entre dois veículos.

Poderão também ser conseguidos óptimos resultados com o uso combinado do nosso elemento reflector com outros reflectores já existentes, dado que se podem complementar. Por exemplo, as formas em ângulo recto têm um óptimo desempenho para ângulos de incidência baixos, mas deixam de ter qualquer eficácia para ângulos superiores a 45superscript4545^{\circ}; pelo contrário, o nosso elemento reflector tem um desempenho irrepreensível para ângulos superiores a 45superscript4545^{\circ}, e perde alguma eficácia em ângulos de incidência de baixa amplitude.

Ainda que as reais mais-valias do nosso modelo de retrorreflexão apenas possam ser verdadeiramente comprovadas através da realização de ensaios em laboratórios especializados que permitam a análise comparativa com outros modelos, estamos em todo o caso seguros da sua eficácia como retrorreflector, em situações em que os emissores/receptores se movimentem num mesmo plano, ou então, se quisermos ser mais precisos, em todas as situações em que seja possível encontrar um plano bidimensional que intercepte perpendicularmente e a meio o eixo que une o emissor ao receptor de todos os pares emissor/receptor admissíveis. Nos exemplos que demos considerámos ser essa a situação, embora saibamos que na prática não se passe exactamente assim.

6 Conclusão

Na continuação do estudo realizado anteriormente pelos autores em [18, 19], conseguiu-se, com o trabalho agora apresentado, obter um resultado original que nos parece de grande alcance: os algoritmos de optimização convergiram para uma forma geométrica muito próxima da forma ideal — a Dupla Parábola. Trata-se de uma forma de rugosidade que confere uma resistência quase máxima (muito próxima do majorante teórico) a um disco que, para além de se deslocar num movimento translacional, rode lentamente sobre si mesmo. Na Figura 22 é mostrado um desses corpos.

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Figura 22: Corpo 2D (quase) óptimo.

Atendendo a que o contorno do corpo apresentado é integralmente formado por 424242 cavidades ΩΩ\Omega com a forma da Dupla Parábola, cada uma das quais com uma resistência relativa de 1.496501496501.49650, de (2) e (4) concluímos que R(B)=sin(π/42)π/42R(Ω)1.4951𝜋42𝜋42𝑅Ω14951\frac{\sin(\pi/42)}{\pi/42}R(\Omega)\approx 1.4951 é a resistência total do corpo, um valor 49.51%percent495149.51\% acima do valor de resistência do disco de contorno liso correspondente (o menor disco que inclua o corpo). Sabemos que se o corpo for formado por um número suficientemente elevado de pequenas dessas cavidades, a sua resistência atingirá mesmo o valor 1.4965149651.4965, mas o exemplo apresentado é suficiente para percebermos o quão próximos ficámos do conhecido majorante teórico (50%percent5050\%).

Ainda que o valor da resistência da Dupla Parábola tenha sido determinado numericamente, o estudo que se realizou em §4, com o objectivo de se caracterizar analiticamente as reflexões no interior dessa forma de cavidade, consolida os resultados apresentados. Conseguimos demonstrar algumas propriedades importantes que ajudam a perceber o elevado valor de resistência que se obteve. Tentaremos no futuro desenvolver outros estudos teóricos que venham a permitir consolidar ainda mais este resultado. Por exemplo, um problema interessante em aberto consiste em delimitar o desfazamento entre os ângulos de entrada e de saída para as trajectórias de 3 reflexões — para as restantes (trajectórias com 4 ou mais reflexões) sabemos já que |φφ+|<2φ02×19.47𝜑superscript𝜑2subscript𝜑0similar-to-or-equals2superscript1947\left|\varphi-\varphi^{+}\right|<2\varphi_{0}\simeq 2\times 19.47^{\circ}.

A Dupla Parábola é efectivamente um resultado de grande alcance prático. Para além de permitir elevar a resistência newtoniana quase ao seu majorante teórico, essa forma geométrica revela-se também muito interessante noutros domínios de aplicação. Dadas as suas características de reflexão, rapidamente vislumbramos-lhe uma propensão natural para poder vir a ser usada com grande sucesso no desenho de retrorreflectores — veja-se em §5 o estudo exploratório sobre a sua possível utilização na sinalização rodoviária e indústria automóvel. Mas a sua utilidade estende-se a muitos outros domínios de aplicação importantes, como será certamente o caso dos sistemas de comunicações ópticas em espaço aberto ou dos sistemas ópticos que integram alguns dos equipamentos tecnológicos ligados às ciências da saúde e à indústria em geral. Na continuação deste trabalho, tencionamos vir também a desenvolver investigações que permitam a análise comparativa de superfícies baseadas na Dupla Parábola com outros modelos de retrorreflexão existentes. Nesse estudo usaremos, em substituição da função resistência, uma função de custo mais adequada à avaliação das capacidades retrorreflectivas — uma função que contabilize devidamente o desfazamento angular entre os fluxos incidente e reflectido.

Uma incursão no domínio tridimensional, realizada em [7], mostrou também ela, ser a Dupla Parábola uma forma de cavidade muito especial. A nossa convicção no seu virtuosismo saiu realmente reforçada quando obtivemos o melhor resultado para o caso 3D. Esse resultado foi conseguido com uma cavidade cuja superfície é a área varrida pelo deslocamento da curva Dupla Parábola na direcção perpendicular ao seu plano. Tendo o valor da sua resistência (R=1.80𝑅180R=1.80) ficado um pouco aquém do majorante teórico para o caso 3D (R=2𝑅2R=2), superar esse valor será também um desafio interessante a considerar futuramente.

Já para o caso 2D pressentimos maior dificuldade em virmos a superar o resultado já alcançado — quer pela proximidade a que este se encontra do majorante teórico, quer pelo facto de termos já realizado, sem sucesso, uma série de investigações visando esse objectivo. Tendo ainda em conta que o majorante 1.5151.5 apenas significa a não existência de formas que superem esse valor de resistência, a forma por nós encontrada poderá mesmo tratar-se de uma solução óptima. A confirmar-se esta hipótese — o valor da resistência que caracteriza a Dupla Parábola tratar-se efectivamente do limite máximo que é possível alcançar com formas bidimensionais reais — o nosso resultado ganhará ainda uma importância redobrada. Embora não se perspectivem fáceis desenvolvimentos, este é um importante problema que fica em aberto à espera de futuras contribuições que, se não vierem a superar o nosso resultado, venham a permitir reforçar a nossa conjectura.

Agradecimentos

A investigação dos autores teve o apoio do Centro de Estudos em Optimização e Controlo (CEOC), Unidade de Investigação e Desenvolvimento (UI&D) da Universidade de Aveiro, financiada pela FCT. A investigação do primeiro autor foi ainda co-financiada pelo Fundo Social Europeu, através do Programa PRODEP III/5.3/2003.

Referências

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